Começou finalmente a campanha para as presidenciais (embora tenhamos tido uma pré-campanha tão preenchida que nem demos pela transição; depois do silêncio perturbador até ao início do Verão, os últimos meses têm sido inundados por estas eleições). Os candidatos estão na rua, o circo oficialmente começou.
Vamos por partes:
Cavaco Silva caminha rumo à entronização, quem sabe logo à primeira volta, por KO técnico. Confesso que não compreendo esta adoração maciça e esmagadora ao candidato da direita, aquele que saiu do Governo em 1995 com uma imagem negra, aquele que perdeu frente a Jorge Sampaio, aquele a quem nunca foi reconhecido carisma nem uma aura de atracção. Os portugueses (pelo menos quase 60 por cento, segundo indicam as mais recentes sondagens) parecem ansiar por um salvador, um D. Sebastião, alguém que tenha a fórmula mágica para tirar o país da crise e colocá-lo na rota europeia dos mais ricos e desenvolvidos.
A maioria acredita que essa figura messiânica é Cavaco, aquele que como primeiro-ministro, com os fundos europeus a chegarem que nem ondas numa praia, garantiu auto-estradas para toda a gente, saneamento básico, betão e mais betão, enfim, aquele que disfarçou um pouco o país que era rural no seu todo e que agora o é um pouco menos.
A maioria acredita que é Cavaco, aquele que conseguiu saltos visíveis no PIB e no crescimento económico nacional, aquele que nunca se enganava e raramente tinha dúvidas, aquele que desprezava os jornalistas (e dispensava apenas cinco minutos diários aos jornais).
Pegando neste último ponto, como pode alguém ambicionar ser o representante de Portugal no mundo se aparenta um ódio e um desdém quase visceral à informação, ao estado actual do país e do mundo? Como pretende esse alguém estar informado? Como pretende esse alguém estar no Eliseu e falar com Chirac sobre o problema dos subúrbios das grandes cidades francesas, estar na Casa Branca e discutir o que se passa no Iraque, estar em Downing Street e perceber a diversidade da sociedade britânica?
Outro ponto prende-se com as verdadeiras intenções de Cavaco Silva. A sugestão da criação de uma secretaria de Estado para o acompanhamento do investimento de capital estrangeiro em Portugal foi apenas uma pequena nuance do que o ex-primeiro-ministro parece querer fazer: ingerência nos assuntos do Governo. Por outras palavras, Cavaco quer ser primeiro-ministro outra vez. As pessoas questionam: para que quer Mário Soares, o candidato apoiado pelo PS, ser Presidente da República outra vez, uma terceira vez. Eu pergunto, para que quer Cavaco ser primeiro-ministro (disfarçado de Presidente) outra vez, uma quarta vez?
Mário Soares. O pai da democracia, o pai do PS, um dos pais da entrada de Portugal na União Europeia (à altura Comunidade Económica Europeia), um dos portugueses mais conhecidos e respeitados em todo o mundo. Como todos aqueles que ocuparam posições-chave de poder, Soares também retirou dividendos para si e para os seus amigos (o que é altamente condenável, mas Cavaco fê-lo de igual modo). Soares é acusado disso e, muito mais injustamente, de estar velho e acabado. Não o está. Tem lapsos de memória, confunde coisas, é verdade, mas mantém um raciocínio claro, tem opiniões e sabe pensar sobre o mundo, não tem qualquer cerimónia em dizê-lo, conhece Portugal e grande parte do mundo como a palma das suas mãos, tem uma resistência física impressionante, continua acutilante e mordaz, enfim, está fresquíssimo.
Nesta campanha Soares propôs-se a desmontar o endeusamento de Cavaco, e é o que está a fazer. Não tem de apresentar ideias, porque tem-no feito ao longo de toda a sua vida e carreira. Dele não esperamos surpresas, sabemos ao que vamos. É uma figura histórica e não merece de todo o linchamento público que lhe estão a fazer. Não entendo esta condenação, este ódio quase mortal a Soares.
Não pretendo apelar ao voto num dos candidatos nem no outro, apenas analisar algumas situações e tentar perceber o que se está a passar.
Tal como nas legislativas vamos assistir a um duelo muito desequilibrado. Depois do príncipe Sócrates teremos o rei Cavaco. Afinal continuamos na monarquia e necessitamos assim tanto de salvadores absolutos e iluminados?