Tigre da Tasmânia

«Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida» C. Lispector

segunda-feira, outubro 19

O meu Pai

Um artigo de opinião da jornalista Margarida Santos Lopes, publicado Sábado no jornal Público.
-------------------------------------------------------


Na manhã de quinta-feira, tomei conhecimento da morte do dr. Mário Mota Marques (MMM) quase ao mesmo tempo em que os jornais e a blogosfera fervilhavam de rumores sobre a morte do ayatollah Ali Khamenei. Dei comigo a pensar se haveria alguma possibilidade de os dois se encontrarem numa outra dimensão, ainda que um representasse o Bem e outro o Mal. Tenho a certeza de que o meu amigo, incansável membro da comunidade bahá’i em Portugal, não perderia a oportunidade de exigir ao Supremo Líder o fim das perseguições à maior minoria religiosa do Irão.

Amanhã, os sete dirigentes bahá’is iranianos, presos há mais de um ano na cadeia de Evin, em Teerão, apenas por pertencerem a uma religião que a República Islâmica
considera herética, esperam, finalmente, comparecer em tribunal. Os seus advogados de defesa, entre eles a Prémio Nobel da Paz Shirin Ebadi, exigem que estes inocentes sejam libertados, sob fiança. Não há provas que sustentem as acusações de “espionagem” e “corrupção na Terra”, puníveis com a pena capital.

A morte de Khamenei não foi confirmada e, assim, MMM não poderá interpelá-lo, mas mantenho a certeza de que, onde quer que esteja, continuará a denunciar a negação dos direitos cívicos dos bahá’is no Irão, e a zelar pelos cerca de dez mil fiéis de Bahá’u’lláh em Portugal – país que também os perseguiu, até ao 25 de Abril de 1974

Conheci MMM, em 2008, quando preparava uma reportagem sobre a importância da fé bahá’i na carreira de Nelson Évora. Foi ele quem me apresentou ao atleta que ganhou para Portugal a única medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Pequim. A ajuda que MMM me deu, sempre sorridente, amável e disponível, foi preciosa para contar a história de uma comunidade que muitos ainda desconhecem, e que, de certa maneira, se confunde com a sua própria caminhada.

MMM era um “estudioso das religiões”, disse-me, apesar de a sua família não ser religiosa. Começou por ler o Bhagavad Gita, dos hindus, mas não encontrou aqui resposta para as suas dúvidas. Aos 16 anos, foi conduzido a um centro bahá’i por um amigo, músico em Nova Iorque, que continua a ser agnóstico. Esta amizade gerou episódios bizarros. Como o incidente de uma carta que mencionava Bach. A PIDE leu “bahá’i”, e foi bater à porta de Mota Marques de madrugada. “Entravam e vasculhavam tudo”, contou MMM, relembrando outra visita da polícia a uma sala onde crianças tinham actividades lúdicas. “Os agentes chegaram, olharam para o papel de cenário com desenhos coloridos e perguntaram se eram planos para ataques a quartéis.”

Se hoje a fé bahá’i viu reconhecido em Portugal o estatuto de Comunidade Religiosa Radicada – tem aulas de religião e moral nas escolas públicas, e até um programa na RTP2 –, muito se deve a Mário Simões da Mota Marques, nascido em Lisboa em 1942, com passagens por Moçambique e Angola. Há 40 anos que era um dos nove membros da Assembleia Espiritual Nacional, conselho consultivo que, na ausência de clero, administra a vida colectiva da comunidade.

Onde quer que esteja agora, MMM gostará, seguramente, que o mundo não feche os olhos às violações dos direitos humanos na antiga Pérsia onde a fé bahá’i foi fundada em 1844 para ser, actualmente, a segunda mais disseminada geograficamente, depois do cristianismo: 200 grupos étnicos, tribais e raciais em 235 países e territórios independentes. O seu profeta é Bahá’u’lláh, que se anunciou “mensageiro de Deus para a nossa era” – até aparecer outro “ainda mais magnífico”.

É por acreditarem que Maomé não é último profeta e por terem a sua sede em Israel (pela simples razão de ter sido aqui que Bahá’u’lláh morreu e foi sepultado, em 1892, depois de um exílio forçado pelos otomanos) que os baháis – e os sete líderes que amanhã, talvez, sejam julgados – têm sido tão duramente reprimidos.

Se tinha de morrer, ainda bem que MMM morreu em Portugal. Hoje, terá direito a um funeral digno. No Irão seria, provavelmente, lançado numa vala comum, ou enterrado às escondidas pela sua família, para que o túmulo não fosse vandalizado. Por ser bahá’i.

-------------------------------------------------------
Sei que há que prosseguir, mas sei também que nunca mais vou ser completo.

quarta-feira, outubro 14

Liebe

Liebe ist stärker als Hass

O Amor é mais forte que o Ódio

sábado, outubro 10

Ser ou não ser gente...

De novo a velha questão das hierarquias... Bem me disseram nos testes psicológicos para o serviço militar que eu tinha dificuldades em acatar ordens, e daí a recomendação para que ficasse inapto, o que consegui. Simulei comportamentos com esse objectivo, mas algum fundo de verdade haverá.

Custa-me que em várias situações da vida, devido a supostas hierarquias, tenhammos que engolir sapos, alguns gigantes. Ser superior na escala muitas vezes parece sinónimo de ser mal educado, de usar e abusar de métodos não rigorosos e de ser e fazer e dizer o que se lhes apetece, apenas e só por isso mesmo, porque lhes apetece. Hierarquia não é sinónimo de democracia, dizia-me um amigo e colega. E pelos vistos também não é sinónimo de boa educação.

quinta-feira, outubro 8

Callejando

Continuam a flanar por Lisboa antiga senhores velhotes mas distintos, impecavelmente arranjados, calças milimetricamente vincadas e camisas imaculadamente brancas, gravatas ou lacinhos a ornamentar, raros apesar de tudo os que mantêm o chapéu. É vê-los por Alcântara, pelo Chiado ou pela Baixa, olhar meio perdido mas sorriso seguro nos lábios. Vagueiam pelas ruas, às vezes pelo eléctrico, outras sentados nos bancos de jardim.

Nas esplanadas das pastelarias finas e antigas e nas varandas vetustas dos prédios tradicionais encontramos outra fauna: as tias e as avós, que lá pela idade avançada que têm não deixam de ser vaidosas. Pintam o cabelo, dão cor aos lábios e aos olhos e estão sempre atentas aos sapatos. Quanto mais barulho fizerem ao toque com a calçada lisboeta melhor. Falam muito, mas baixinho, falam sobre tudo e sobre nada.

Deviam então, estas senhoras e estes senhores distintos que fazem sobreviver uma Lisboa que já não existe, deviam estas senhoras e estes senhores juntar-se, para fazerem uma celebração do tempo que lhes resta aqui.