Tigre da Tasmânia

«Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida» C. Lispector

segunda-feira, fevereiro 27

Book dating

No outro dia, para relaxar a cabeça e acalmar os pensamentos, fui-me perder no labirinto formado pelas bancas de uma feira do livro. Há quem opte por comer desenfreadamente chocolates, quem vá ver as montras, quem vá acelerar com o automóvel para a auto-estrada. Eu prefiro vasculhar livros, páginas e páginas, títulos mil, capas coloridas, pilhas de folhas de papel. E ficar alguns minutos a olhar o livro, a manuseá-lo, a abrir numa página à sorte lendo um parágrafo. De certa forma estou a conhecer o livro, como se se tratasse de um encontro entre pessoas. Em seguida decido se quero levá-lo, ao livro, comigo, se quero que ele passe a fazer parte da minha vida. Desta ocasião, que durou para cima de duas horas, trouxe cinco comigo.

sexta-feira, fevereiro 24

Milú

Num destes dias visitei uma das casas da minha infância, a casa dos pais de uns amigos meus. Foi um turbilhão de recordações... Festas de anos, lanches, reuniões, brincadeiras, trabalhos... Aqueles corredores e salas estão agora vazios, quase vazios de vida. Ficam as memórias, de pessoas, de risadas, de olhares, de ordens, de discussões, de sermões, da vida.

E para sempre vou recordar a dona da casa com a t-shirt azul da Milú do Tintin a morder um osso e a observar-nos com os seus olhos gigantes.

Até já

Ontem fui despedir-me de uma amiga, até uma próxima vez que ninguém sabe quando será. Não gosto de despedidas. Não gosto porque nunca sei o que fazer. Não choro, não rio, não nada. Apenas fico e estou. A apatia domina-me e receio que a pessoa de quem me despeço confunda com frieza. Sinto a partida, claro, mas é como um «até já». Um já relativo, até quando Jah quiser.

quarta-feira, fevereiro 22

Maior que a vida

Glorioso, Glorioso, simplesmente Glorioso. Mais uma vez o Benfica mostra que é grande na Europa. É pena no campeonato da Liga não costumar correr nem metade do que fez no jogo de ontem.

Passeando pelo Chiado, onde fui ver o jogo a um café com amigos e o inevitável cachecol, uma velhota, mendiga, perdida no tempo e no espaço, despojada de tudo, gritava: «O Benfica é o maior! Viva o Benfica!».

Maior que a vida.

Arquitectura

«A arquitectura é uma ciência, surgindo de muitas outras, e adornada com muitos e variados ensinamentos: pela ajuda dos quais um julgamento é formado daqueles trabalhos que são o resultado das outras artes»

Vitrúvio, arquitecto romano do século I AC

quarta-feira, fevereiro 15

Homem tecnológico

Estou cansado destes dias, desta vida sem sentido sentado em frente a um computador, a digitar, a clickar, a saltar de site para site, a formatar, a editar, a corrigir, a traduzir, estou cansado desta rotina de entrar no carro, acelerar, apitar, fazer pisca ou não fazer, perder horas à procura de lugar, estacionar, esperar pelo autocarro que não vem, penar ao frio na paragem sem abrigo.

E sonho com as montanhas, com as planícies, com as praias, com as falésias, com os montes e vales, com uma rede pendurada entre duas oliveiras, com a sombra do majestoso carvalho, com o cheiro leve das flores ou o odor intenso da maresia, sonho com a resina dos pinheiros e com o estalido da caruma, sonho com uma vida melhor.

terça-feira, fevereiro 14

Forever Young

Let’s dance in style, lets dance for a while
Heaven can wait we’re only watching the skies
Hoping for the best but expecting the worst
Are you going to drop the bomb or not?

Let us die young or let us live forever
We don’t have the power but we never say never
Sitting in a sandpit, life is a short trip
The music’s for the sad men

Can you imagine when this race is won
Turn our golden faces into the sun
Praising our leaders we’re getting in tune
The music’s played by the madmen

Forever young, I want to be forever young
Do you really want to live forever, forever and ever
Some are like water, some are like the heat
Some are a melody and some are the beat
Sooner or later they all will be gone
Why don’t they stay young

It’s so hard to get old without a cause
I don’t want to perish like a fading horse
Youth is like diamonds in the sun
And diamonds are forever

So many adventures couldn’t happen today
So many songs we forgot to play
So many dreams are swinging out of the blue
We let them come true

Alphaville

Puxar pela cabeça

Numa conversa na pausa da tarde com alguns colegas de emprego falávamos sobre inovações e invenções. Entre várias ideias mais ou menos absurdas, se depender da nossa imaginação, podemos contar com um gelado que não se derrete, um automóvel que se transforma num cubo mágico e se guarda no bolso em lugar de estacionar ou ainda um mecanismo que nos avisa que a nossa protecção solar na praia tem de ser renovada. Mãos à obra.

domingo, fevereiro 12

Política no feminino

A Mulher e a Política são duas dimensões que parecem ter andado de costas voltadas desde sempre. Pontualmente, na História, tivémos casos notáveis, é verdade, como Cleópatra, Catarina a Grande ou Margaret Tatcher, mas na grande maioria são os homens quem manda.

No entanto, mulheres na política é um assunto que começa a entrar na moda nos últimos tempos. Primeiro foi Michelle Bachelet a vencer as eleições presidenciais no Chile. Em Espanha, o primeiro-ministro Zapatero formou o primeiro governo paritário, com oito ministras e oito ministros do país. Nos EUA há muito que se fala de um duelo presidencial para a sucessão de George Bush entre Hillary Clinton e Condoleezza Rice. De França, avança o Expresso desta semana, perfilam-se Ségolène Royal, do Partido Socialista Francês (PSF), e Michèle Alliot-Marie, pela direita gaulesa. E até dentro de portas, na Distrital de Lisboa do PSD, algumas fontes indicam que Marina Ferreira e Helena Lopes da Costa vão lutar pelo poder em Julho.

Será uma moda ou as mentalidades estão a evoluir? Em França, um dos outros hipotéticos candidatos do PSF, Laurent Fabius, teve a dizer sobre o avanço de Ségolène Royal: «E quem vai guardar as crianças?». Elucidativo.

Vinil

Numa destas noites passei o serão a vasculhar os vinis que andam cá por casa, muitos, variados, vindos de várias casas, pedaços que restam de pessoas que já cá não estão. São pérolas guardadas no pó que se revivificam quando a agulha risca a superfície negra e exala os acordes do século passado.

Regressos...

Estão a voltar as tardes quentes, ideais para fazer desporto. E portanto lá voltei eu a jogar ténis ao sol, com o calor a tornar a troca de bolas ainda mais intensa e especial.

sábado, fevereiro 11

Podemos dizer tudo mas não temos de dizer tudo

Li muitas coisas sobre as já famosas caricaturas de Maomé num jornal dinamarquês. É um assunto incómodo, tão incómodo que só passado alguns meses a velha Europa acordou e discutiu o tema. Mas mais incómodo ainda porque o Ocidente parece não gostar de falar da sua relação com o Islão. Portanto, apesar do fascínio com as Arábias e além das modas todas, o Ocidente, e nomeadamente a velha Europa, opta por uma posição de «vocês aí e nós aqui», mais confortável sem dúvida, mas acima de tudo artificial. E quando as águas do Ocidente e do Oriente se misturam normalmente a tolerância é mínima ou nula, porque não está alicerçada em qualquer base mas sim numa lógica de placas tectónicas prestes a estalar.

Voltando às caricaturas… Penso que acima de tudo é uma questão de respeito. Sim, a liberdade de expressão e de imprensa que vivemos na Europa, que nunca está nem esteve em causa, permite-nos dizer o que queremos, sem censuras. Mas… E o respeito pelos visados? Podemos dizer tudo mas não temos de dizer tudo. Se Maomé é a figura mais sagrada para o Islão penso que é admissível que os crentes não tenham achado ponta de piada à situação. A forma como o demonstraram (atentados), essa sim, já é condenável. O velho chavão nunca fez mais sentido: «A minha liberdade termina quando choca com a do outro». É preciso aprender a respeitar o Outro, que é diferente mas não pior ou melhor que o Eu.

Pedaços de memória

Há músicas que nos transportam de volta a situações, sítios e pessoas que já vivemos. Da última vez que andei a arrumar os cd’s (demasiados) que tenho cá por casa dei com umas gravações que fiz enquanto estava em Paris. Logo à memória me vieram os momentos em que os ouvi, normalmente à noite, em substituição da, digamos, «estranha» televisão francesa, quando estava a cozinhar na minha micro-cozinha ou quanda estava no duche e os acordes inundavam o prédio inteiro. Lembrei-me também de quando e onde os gravei, a fazer pirataria no escritório, lá para os lados da Avenue Foch e da Avenue de la Grande Armée. Ou ainda de quem os pedi emprestados, a Gloria dos cabelos ruivos encaracolados, com o seu imponente estúdio no centro da cidade. Pedaços de memória.

quarta-feira, fevereiro 8

Gestos que fazem pensar

No outro dia no metro aconteceu uma situação que me deu que pensar. Estava eu sentado, perdido nos pensamentos, quando entra o já tradicional cego (será?) e o clássico «tenha bondade de me auxiliar». Todos nós, passageiros, virámos a cara e ignorámos o suposto invisual. Nada de especial ou invulgar. A certa altura a mulher que estava sentada à minha frente começa a remexer na mala à procura de uma moeda, a pedido do homem que estava de pé a seu lado. Lá a encontrou e a deu ao homem, que rumou ao cego. Ao longe, com uma expressão de orgulho na face, a mulher olhava. Percebeu-se que eram mãe e filho, provavelmente da Europa de Leste, notoriamente sem muitas posses. Mas isso não os impediu de serem solidários.

Acontece também é que porventura ainda não se aperceberam da fraude que são estes supostos cegos que enxameiam o metropolitano de Lisboa.

De uma forma ou de outra, esta mãe e este filho ainda conservam a inocência e a ingenuidade.

segunda-feira, fevereiro 6

Dúvidas ibéricas

Um amigo meu costuma dizer: «Tem calma que Portugal ainda é nosso!» Será que é?

Uma sessão diferente

Na sexta-feira passada, num dos meus míticos atrasos, lá não cheguei a horas ao cinema marcado com os amigos. Sendo assim já não havia bilhetes para a sessão à qual todos iam, «Munique». Como tenho King Card não pensei duas vezes: vou ver outro filme, tendo optado pelo «SAW2 – a experiência do medo».

Ir sozinho ao cinema, pensei eu depois já com o bilhete na mão? Ora aí está algo que nunca me tinha acontecido. Com quem comentar o filme? Será que toda a gente vai olhar com o pensamento «coitadinho, ninguém quer ir com ele ao cinema na sexta à noite»? Que pessoa estranha, que vem ver um filme destes sozinho… Será psicopata?»

O que sei é que aproveitei para estudar as reacções das pessoas quando estão numa sala de cinema. Há a inesgotável tosse, o barulho incómodo das pipocas, os risinhos nervosos nas cenas mais fortes, aqueles que conversam para o lado mas que fazem questão que toda a sala ouça, os telemóveis com painel gigante que iluminam tudo à sua volta.

Acabou por não ser uma má experiência, mas cinema? Prefiro com companhia.

«Meu amigo Misha, hoje o sol nasce para ti!»

Ultimamente tenho sido visita habitual do site http://www.misteriojuvenil.com/piratas_momentomagico.htm. É um regresso aos anos ’70 e ’80, com jingles de publicidade, genéricos de séries de televisão, hits do momento e desenhos animados. «Tu andas sempre descalço Tow Sawyer», «Meu amigo Misha, hoje o sol nasce para ti!», «Todos lhe chamam a pequena Abelha Maia…», «Coca-Cola, sensação de viver», «Um corneto p’ra mim, um corneto p’ra ti, Olá, Olá!», o «Verão Azul», a «Rua Sésamo», o clássico «Uma árvore um amigo», enfim, um mergulho na infância, há de tudo. E podemos ainda recordar os míticos Tozé Brito e Carlos Vidal (o Avô Cantigas) e a pequena indústria de televisão que a RTP tinha na altura. Como disse um amigo meu, perdeu-se a inocência desses tempos.

Don't Rain on My Parade!

Don't tell me not to fly
I've simply got to
If someone takes a spill
It's me and not you
Don't bring around the cloud to rain on my parade

Don't tell me not to leave
Just sit and putter
Life's candy and the sun's a ball of butter
Who told you you're allowed to rain on my parade

I'll march my band out
I'll beat my drum
And if I'm fanned out
Your turn at bat, sir
At least I didn't fake it, hat, sir
I guess I didn't make it

But whether I'm the rose of sheer perfection
A freckle on the nose of life's complexion
A Cinderella or a shine apple of an eye
I gotta fly once
I gotta try once
Only can die once, right, sir?
Ooh, life is juicy
Juicy and you see
I gotta have my bite, sir

Get ready for me love
'Cause I'm a "comer"
I simply gotta march
My heart's a drummer
Don't bring around the cloud to rain on my parade

Yes, sir
No, sir
I'm gonna live and live now
Get what I want, I know how
All that the law will allow
One roll for the whole shebang
One throw that bell will go clang
Though I'm alone I'm a gang
Eye on the target and wham
One shot, one gun shot and bam

Hey, world, here I am...
Get ready for me life, 'cause I'm a "comer"
I simply gotta march, my heart's a drummer
Nobody, no, nobody, is gonna rain on my parade!

Bobby Darin

quarta-feira, fevereiro 1

O subsídio de desemprego

Concorri aos estágios na Função Pública, no âmbito do programa PEPAP (Programa Estágios Profissionais na Administração Pública), tendo sido admitido em vários locais num grupo B. O grupo B é o conjunto daqueles que, na posse de todos os requisitos necessários, não estão inscritos no Centro de Emprego. Logo fiz o raciocínio. Ao proporcionar estes estágios o Governo consegue três objectivos: corta nos subsídios de desemprego, coloca profissionais a trabalhar abaixo do salário de tabela (que ronda os mil euros, contra os cerca de 800 oferecidos nestes estágios) e permite baixar a taxa de desemprego a apresentar em Bruxelas.

Outra questão se coloca… Será o Centro de Emprego uma verdadeira regalia? Quantos não trabalham por fora e continuam a receber o subsídio? Quantos não trabalham no estrangeiro, continuando a vir ao centro sempre que requisitados, e auferem na mesma o salário falseado? Será o subsídio de desemprego um conforto e uma ajuda nos tempos de maior aperto ou será um incentivo à fuga, ao relaxamento social? Quantos dos inscritos procuram de facto um emprego? E quantos ficam em casa, sossegados a gozar as contribuições dos outros cidadãos, à espera que o Estado trabalhe por eles na procura de um trabalho?

Os muros também se desmoronam

Ao estacionar o carro ontem perto do Lux, numa zona livre de parquímetros, saio do carro e veio-me o tradicional arrumador. Pediu a moedinha e eu como sempre disse que não tinha. Acho uma irresponsabilidade social alimentar este vício. O dito técnico de manobras automóveis chamou-me a atenção e disse que aquele espaço era dele há seis anos e que se eu quisesse que colocasse o carro no parque. Eu respondi que aquele era um espaço público e que ele, arrumador, não tinha qualquer razão ou argumento para me impedir. A conversa começou a descambar e a subir de tom até que o rapaz começa a choramingar, a dizer que ninguém o entende. Lá o confortei um pouco. Por vezes não entendemos que por trás das capas de agressividade e das máscaras de brutalidade existe alguém que está num estado de dor e incompreensão profunda. Estamos a enveredar por uma sociedade exclusiva e «exclusora». Façamos marcha atrás enquanto é tempo.

Sorri

Ontem ao conduzir por Lisboa verifiquei que muitas pessoas nos seus carros, sozinhas, sorriam. Em plena hora de ponta, sem estar no ar o programa do Nuno Markl na Antena 3, muitos sorriam. Estaremos de novo a ficar mais contentes e a atirar as tristezas para trás das costas?