Verdades contemporâneas
Nos dias que passam trabalhamos por dois ou três e recebemos por um ou nenhum.
«Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida» C. Lispector
Nos dias que passam trabalhamos por dois ou três e recebemos por um ou nenhum.
No seu corpo é que eu encontro
Num episódio de uma série de televisão falava-se da alma gémea. Não creio que exista. Não é pessimismo ou amargura, nem sequer imaturidade ou resultado de más experiências. Simplesmente creio não existir alguém que corresponda em tudo ao que idealizamos, que equivalha às nossas expectativas e bata certo com o que esperamos de quem nos vais acompanhar para o resto da vida. Temos de nos moldar a quem nos pareça valer a pena e esperar o mesmo desse alguém. Quanto às pessoas perfeitas... Acreditamos nessa fábula aos 10 anos de idade.
Durante este fim-de-semana estive perante mais um teste. Tenho o hábito, a experiência e fui educado a dizer tudo, a expressar o que penso e a não guardar pensamentos que possam atingir dimensões gigantescas por serem pressionados e esmagados no local pequeno que é a nossa mente. Tenho igualmente o péssimo hábito de esperar o mesmo de quem me rodeia e quando isso não acontece fico como que perdido. Páro, faço um esforço para juntar todos as peças, e mais tarde assimilo as situações. O resultado? Mal-entendidos, pessoas tristes, incompreensões. Prefiro explosões de mau-génio, se necessário, a ambientes de paz presa por um fio. E acabo por provocar conversas e discussões para que todos ponham as cartas na mesa e a partir possam encontrar soluções e caminhos de entendimento. Desgasta mas é eficaz. Porque eu posso explodir e podem explodir comigo mas se as coisas ficarem resolvidas passados cinco minutos já não me lembro de nada.
Grândola, vila morena
- Posso contar-vos uma história?
Começam a ser ridículos alguns golpes na nossa Língua. Solarengo e soalheiro. Sempre o mesmo erro. Um dia com muito sol e quase sempre o ignorante proclama «um dia solarengo». Acontece que esta palavra aplica-se a casa solarenga, com forma de solar. Um dia com muito sol é um dia soalheiro. Ponto.
Uma colega de trabalho queixava-se ontem que tinha jurado nunca mais fazer madrugadas. Mas cá esteve até bem tarde. O que faz correr estas pessoas?
Mais uma vez passou à porta de sua casa.
A participação de um ouvinte num fórum na rádio na tarde de hoje não me sai da cabeça. O iluminado senhor insurgia-se contra a vitória do Sim, que eram todos uns assassinos e não sei que mais. Questionado sobre se havia votado ontem... Não, não votou.
Em conversa com alguns colegas de trabalho tentámos perceber e encontrar formas de combate à vergonhosa abstenção:
Será que os partidários do Não virão agora dizer que o sismo que atingiu o país, ainda que de levezinho, é um sinal de Deus do erro cometido?
Uma semana, cinco filmes. Viva o Medeia Card. Um por um, «Assalto e Intromissão», «Pecados Íntimos», «Uma verdade inconveniente», «Bobby» e «Diamante de Sangue», preencheram quase todas as noites dos últimos sete dias.
Far away
Pergunta solta: porque é que os restaurantes ditos de luxo têm guardanapos de papel? Medida ecológica louvável ou poupança em pormenores que denuncia as intenções de cinco estrelas?
No sábado fui jantar com uns amigos do Porto, Guimarães e de Lugo, na Galiza. Interessados em fumar chicha lembrei-me do bar marroquino no Castelo de S. Jorge. Lá fomos, entusiasmados. Chegados cerce às muralhas deparamo-nos com o sistema de semáforos que asfixia aquela zona. Não pudemos entrar e à nossa volta o caos de automóveis avolumou-se. À nossa frente estava um fadista, nas palavras dele convidado pela Junta de Freguesia do Castelo para cantar numa colectividade local e com autorização do vereador respectivo para entrar na zona. Resposta dos semáforos: não pode entrar. Perante esta situação nem me atrevi a pensar mais e estacionei o carro no primeiro buraquinho que encontrei. Com toda esta situação perdemos mais de meia-hora. O resto da noite valeu pelo incómodo.
Envolvido pela música clássica, pelos oboés, pelos violinos, pelos pianos, pelos cravos, pelos clarinetes, abstraio-me dos automóveis, das buzinadelas, das curvas apertadas, dos encontrões, das filas intermináveis. Fecho os olhos e imagino que voo pelo mundo, pelo campos sem fim, pelas copas das árvores frondosas, pelo interior das cascatas; chego às estrelas e mergulho como um torpedo nas águas macias do oceano. É tudo tão real que sinto até a água a percorrer-me pela pele e a fazer-me festas no cabelo, aspiro o cheiro intenso a resino e ouço os pássaros a festejar a sua liberdade por entre os ramos entrelaçados.