Tigre da Tasmânia

«Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida» C. Lispector

sábado, dezembro 29

Os fossos de mim

Ser simpático ou interessante deve ser o pior elogio que nos podem colar. Porque aquele que é simpático ou interessante é aquele de quem nada se sabe, e que assim recebe um título neutro. E porquê? Porque cava uma distância tão grande e coloca limites tão sólidos aos intrusos (que são aqueles que não se conhece) que desta forma não permite a partilha. É complicado, é simples? É divertido? É prático, é sonhador, é teimoso? Não se sabe, é simpático e interessante. Apelidos neutros, para o bem e para o mal.

Conversas de carro às 7 da manhã.

segunda-feira, dezembro 24

Primos

Algures em Lisboa, lá para os lados do Oriente, há um jardim da música, em que se pode aprender a reproduzir sons, a perceber as escalas e os diferentes timbres. Gongos, xilofones de granito ou de madeira, escalas de sinos para os pés. Para mais novos e mais velhos, uma tarde bem passada, com os meus dois primos mais novos. Três miúdos a brincarem às notas, com a clave de Sol como companheira.

sábado, dezembro 22

Marajá

«-Vais onde? Isso parece coisa do secundário.»

Foi esta a reacção ao programa de sexta-feira, um jantar de Natal de turma da faculdade. E espero continuar a ter estas reacções por muitos e muitos anos. A turma já não vai ser turma por ser composta pelas pessoas que comigo partilharam os estudos mas por serem «a minha turma». Mas o melhor da noite viria depois. Noitada de poker, poker a sério, «Texas hold’hem» à americana, com fichas, cartas e apostas da dinheiro. Novato na coisa, apanhei-lhe o jeito e acabei por ganhar a mesa. Como alguém disse estava com o toque de Marajá, a contar as fichas para a aposta como se de trocos se tratassem. Deu para vislumbrar o vício dos jogos de sorte e azar. Mas jogar poker ou outro… só com amigos e na brincadeira.

terça-feira, dezembro 18

Uff...

Há alturas da vida profissional em que nos são apresentados ultimatos. Sabemos o que queremos fazer, o que podemos fazer melhor, o caminho pelo qual queremos rumar e que até nos foi prometido e garantido. Mas não. Em cinco minutos são-nos cortadas as ilusões, os dados que já tínhamos tomado por adquiridos e para os quais a nossa mente já se havia formatado. Pedem-nos que aguentemos. Mais um pouco, um pequeno grande pouco porque o desafio é histórico, dizem. E há que fazê-lo, mais do que com um sorriso nos lábios, com um sorriso na disposição. Sempre fazer o melhor, o óptimo, e não apenas o possível, não apenas «colocar o boneco no ar». Mais uma vez. Somos pequenos, nulos, ínfimos, uma roda na engrenagem. E quem nos pede sabe disso. Gosta de nós, ou até pode gostar, mas neste momento de «mata ou morre» tem de jogar com valores mais altos, e somos apenas uma peça do tabuleiro, talvez a peça chave e essencial, mas uma peça. É uma lógica perversa de quem tem responsabilidades maiores, as maiores responsabilidades. Encho de novo o balão de oxigénio, radar e marginal, mais cansado e saturado, mas que com a reciclagem vai voltar mais forte. Reciclar o ciclo porque outro ciclo em breve vai começar. Somos miúdos. Há que aguardar. Esperar. Saber fazê-lo. Não ter tudo ao mesmo tempo. O prazo está marcado.

domingo, dezembro 16

Nódoas negras sentimentais desenhadas a lápis de cor

No bairro do amor a vida é um carrossel
onde há sempre lugar para mais alguém
o bairro do amor foi feito a lápis de cor
p’ra gente que sofreu por não ter ninguém.

No bairro do amor o tempo morre devagar
num cachimbo a rodar de mão em mão
no bairro do amor há quem pergunte a sorrir
será que ainda cá estamos no fim do Verão.

Eh pá, deixa-me abrir contigo
desabafar contigo
falar-te da minha solidão.
Ah, é bom sorrir um pouco
descontrair um pouco
eu sei que tu compreendes bem.

No bairro do amor a vida corre sempre igual
de café em café, de bar em bar
no bairro do amor o sol parece maior
e há ondas de ternura em cada olhar.

O bairro do amor é uma zona marginal
onde não há prisões nem hospitais
no bairro do amor cada um tem de tratar
das suas nódoas negras sentimentais.

Eh pá, deixa-me abrir contigo
desabafar contigo
falar-te da minha solidão.
Ah, é bom sorrir um pouco
descontrair um pouco
eu sei que tu compreendes bem.

sexta-feira, dezembro 14

Nome de código: Aranha

Um fim-de-semana no meio do campo, na casa do pinhal, ajuda a colocar tudo em perspectiva. A louça é lavada à mão e não na máquina, a casa é aquecida não pelo ar condicionado mas sim pela lareira que tivémos que atear depois de ir buscar a lenha à arrecadação, lenha essa que foi cortada durante o Verão, o sumo é espremido da fruta que fomos colher ao pomar e não vem das prateleiras do supermercado, o leite é aquecido nos velhos utensílios de cozinha e não no micro-ondas, as febras são grelhadas nas brasas da lareira e não no fogão, o serão é passado a rir e a conversa à volta de um tabuleiro de jogo, com a televisão esquecida e desligada, os computadores uma miragem tecnológica e as discotecas bem longe. São coisas que levam tempo, é claro, mas um tempo demorado que sabe bem, que nos permite saborear melhor cada momento e valorizá-lo como deve ser. Porque a louça sai melhor lavada com um toque humano, o calor da lareira é mais quente, o sumo espremido do pomar é mais doce, o leite sabe mais a leite, a carne feita na brasa é mais saborosa e as conversas e os risos são mais honestos e sentidos.

terça-feira, dezembro 11

Respostas aceitam-se

Disseram-me no outro dia que tenho os olhos tristes. A minha mãe sempre me disse que tenho os olhos expressivos. Será que é a tristeza a expressão do momento?

domingo, dezembro 9

Verdade lynchiana

No céu tudo é perfeito. Tu tens as tuas coisas e eu tenho as minhas.

terça-feira, dezembro 4

Há duas semanas

Sempre que nos acontece algum episódio ou alguma estória que possa mexer connosco vamos a correr falar e contar aos melhores amigos ou àqueles com quem possuímos maior confiança.
Será que para nos sentirmos seguros de que tomámos a atitude certa? Vamos em busca de aprovação? Quando relatamos estamos a fazê-lo para nós, para nos assegurarmos que não fomos injustos e colocarmos cimento estruturante na situação, ou estamo a fazê-lo para partilharmos algo que é importante com as pessoas de quem mais gostamos.
Tenho ainda muito que percorrer para tornar sólidas, ou para acreditar que são sólidas, as minhas atitudes. Mas aquele que se crê certo de tudo, com verdades inabaláveis e só valoriza o que pensa e as suas atitudes não é o mais idiota de todos?