Tigre da Tasmânia

«Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida» C. Lispector

quarta-feira, dezembro 27

Go east

Devo andar com o espírito crítico demasiado aguçado. Ontem no Jornal da Noite, da SIC, foram logo duas seguidas. Primeiro Luís Costa Ribas, com aquela pose de conhecedor do mundo, lança a notícia com a frase «Bin Laden, o terrorista mais odiado de todo o planeta». Ora bem, fazendo contas, e acreditando que o Bush representa para os muçulmanos o mesmo sentimento de ódio e desprezo que a chamada opinião pública deste lado do globo tem em relação ao acusado dos ataques às Torres Gémeas, talvez seja mais prudente dizer do planeta «ocidental».

Seguiu-se uma peça sobre a execução de Saddam Hussein no prazo de 30 dias. Reportagem no Iraque, o jornalista lança o vox pop «A decisão de executar o mais brevemente possível Saddam é apoiada pelo povo». Os testemunhos, dois, foram estes: «A política de Saddam Hussein já não tinha cabimento» e «A execução ou não execução de Saddam não vai alterar nada, já que a violência vai continuar». São estas opiniões fortes de apoio à execução?

Enfim, há um esforço para dizer o que corre nas ruas que depois não é apoiado em provas. É como no caso Casa Pia, em que todos sabem que houve crimes mas ninguém consegue prová-los.

terça-feira, dezembro 26

Papelinhos

Tenho tido muitas saudades de escrever. Vários constrangimentos me têm impedido de limpar a cabeça e soltar a mente para dar corda aos dedos. Daí resulta um pouco a forma como escrevo neste blog, muitas vezes em catadupa, aos tropelões e tropeções, com grandes entusiasmos e uma torrente de posts, ou com silêncio absoluto de vários dias. Em resposta ao mutismo, numa tentativa de recuperar terreno, coloco desenfreadamente cinco ou seis textos, o que só contribui para o ofuscar de cada um deles. É o resultado da montanha-russa que é o meu pensamento.

Para escrever cada texto estou muitas vezes a matutar em novas ideias, que vou escrevendo em papelinhos, espalhados aqui e ali, que juntos resultam num post. Pensando bem, era igualmente desta forma que fazia os exames na faculdade. Pegava na famosa folha de rascunho, escrevinhava cinco ou seis pontos e daí desenvolvia na folha de exame.

Esta história dos papelinhos recorda-me uma amiga minha de Braga que estudava em Inglaterra (e que agora está em Sydney). Na altura, ainda sem as facilidades do e-mail, trocávamos cartas. A minha amiga tinha a boa ideia de nunca escrever em papel comvencional, ou seja, as cartas que recebia eram sempre escritas em panfletos, guardanapos, bilhetes de autocarro, avião e metro, convites, embalagens de cereais e tudo o que lhe acorria à mão. Foram sem dúvida as cartas mais originais que já recebi e que com certeza davam algum trabalho (muito saudável) a ler.

Se eu pudesse o Tigre seria assim: um conjunto de papelinhos de mil cores e formas todos colados e numerados no ecrân do computador.

sexta-feira, dezembro 22

Feliz Natal

Joy to the World!

Joy to the world, the Lord is come!
Let earth receive her King;
Let every heart prepare Him room,
And heaven and nature sing,
And heaven and nature sing,
And heaven, and heaven, and nature sing.

Joy to the world, the Savior reigns!
Let men their songs employ;
While fields and floods, rocks, hills and plains
Repeat the sounding joy,
Repeat the sounding joy,
Repeat, repeat, the sounding joy.

No more let sins and sorrows grow,
Nor thorns infest the ground;
He comes to make His blessings flow
Far as the curse is found,
Far as the curse is found,
Far as, far as, the curse is found.

He rules the world with truth and grace,
And makes the nations prove
The glories of His righteousness,
And wonders of His love,
And wonders of His love,
And wonders, wonders, of His love.

É devagar, é devagarinho

Começaram por estes dias a funcionar parte dos novos radares que fazem parte do sistema integrado de segurança automóvel de Lisboa (que nome pomposo, inventado agora por mim, mas que não me surpreende se for o real...). Esta madrugada iniciou-se também a Operação Natal. Mais uns polícias, mais vigilância, mais contínuos da escola primária a vigiarem se os meninos se portam bem durante o recreio.

Estamos a atingir o cúmulo do patrulhamento. Para já tudo anda a pianinho na estrada, com medo da caça à multa vergonhosa que o Estado anda a fazer, mas quando nos apercebermos que do devagar que andamos em Portugal (velocidade não do conta-quilómetros mas do desenvolvimento) vamos passar ao devagarinho talvez nos venhamos a aperceber que não é pelo castigo que lá vamos, mas sim pelo incentivo. Não é por nos tratarem como meninos rabinos que vamos crescer mais depressa.

Ocorreu-me este pensamento quando regressava ontem, vindo de Cascais, na A5, na entrada do Viaduto Duarte Pacheco. Estou a sair de uma auto-estrada, com uma descida bastante pronunciada, e em poucos segundos é suposto que passe de 120 km/h para 50 km/h. É brilhante, até porque já estava a imaginar o radar mesmo ali em cima de mim a dizer que no metro de alcatrão a seguir ao piso da via rápida eu ainda seguia a 89,5 km/h e não a 50 km/m e que por isso mesmo tinha de pagar a multa xpto.

No Bond thanks

Nos últimos dias tenho estado a fazer vários contactos por telefone aqui no escritório. Continuo com o velho hábito dos jornalistas de procurar um sítio mais ou menos escondido, onde ninguém me ouça, apesar de que o que tenho a comunicar neste caso nada ter de confidencial. Defeito profissional e também mania pessoal de não gostar de ter ninguém em cima ou à espreita.

Há-de ser qualquer coisa assim

Mais uma prestação brilhante de uma jornalista, desta feita na SIC Notícias. Esta manhã, ao fazer a leitura dos títulos dos principais jornais, Teresa Dimas resolve dizer que o Benfica ontem «ganhou por 4-0 ou 4-1». Um deles há-de ser, não há que enganar. Será que esta senhora é daquelas que diz que não percebe nada de futebol? Bom, não é preciso entender o que quer que seja sobre a bola na relva mais 22 jogadores para saber ler um resultado.

O país do Alerta!

Portugal devia passar a ter um sub-título, o país do Alerta. Depois do alerta de calor, com fogos no Verão, tivemos o alerta de chuvas, com cheias no Outono, e agora no Inverno somos bombardeados com o alerta do frio, com uma onda quase polar a dominar o país de Norte a Sul. Agarra que é ladrão!

domingo, dezembro 10

Where to?

Corro. Corro muito. Corro sempre. Estou sempre a correr. Os olhos postos no conta-quilómetros, a preocupação do atraso a gritar nos algarismos do relógio, as pernas a forçarem um passo de papa-léguas humanamente impossível de acompanhar.

O tentar chegar a todos, a todas as horas, a ânsia idiota de não deixar qualquer buraco a descoberto, de não falhar com nada nem com ninguém, assim mesmo, com quatro negativas seguidas.

E a derrota inevitável. Aquele espaçinho que ficou por preencher porque a vida é mesmo assim. Somos pequeninos e não podemos chegar a todo o lado.

O resultado são zangas, exigências, incompreensão por parte daqueles, de todos aqueles, daqueles todos que estão habituados a que não falhemos, todos os que nem sequer põem a hipótese disso acontecer.

Vá, só mais um esforço... Mais um.

quinta-feira, dezembro 7

Obrigado por não fumar

Ontem num restaurante na Baixa de Lisboa, no início da refeição, começa a surgir uma onda azul acinzentada mal cheirosa a desenrolar-se pelo ar. Não estivesse eu constipado e mais sensível ao nível do nariz e teria ignorado, como faço sempre. Mas estando eu com um grupo grande, quase todos não fumadores, atacado do nariz e a começar a jantar, não tive contemplações e virei-me para trás. «Importa-se de chegar o seu fumo para outro lado?» pedi eu ao homem do cigarro, meio pedido meio exigência. Surpreso, lá rosnou um «Vou tentar», e desviou o cigarro para a outra mão. Ao longo da noite ainda me foi cheirando a tabaco, mas que fazer...

Já sei que os fumadores têm os seus direitos, que vivemos em liberdade, que nós os não-fumadores somos uns fascistas com a mania de proibir o que tanto dá prazer aos outros, que só gostamos de implicar e chatear, blá blá blá, etc. e tal. Eu não me importo nada que o senhor do cigarro se envenene e cometa um suicídio lento. Fume o que quiser, a responsabilidade é única e exclusivamente sua. Mas peço respeito num restaurante, onde todos estamos a comer e não temos que suportar o fumo estúpido e idiota de quem está ao nosso lado. Até porque este dito senhor, e normalmente assim acontece, estava a desviar o fumo dos que estavam na sua mesa, a proteger os seus amigos, mas a descurar todos os outros presentes no restaurante. Enfim, alguns laivos de consideração, mas apenas por aqueles de quem gosta. Mas o mais impressionante parece-me ser a forma como o homem do cigarro me olhou, como se o que eu pedi fosse um sacrilégio.

Tenho pena que a coragem de José Sócrates neste caso tenha abrandado. Falou-se muito na proibição oficial de fumar em locais públicos fechados, mas tudo ficou meio abafado, novamente. O preço do tabaco vai aumentar de novo no início do ano. Muito bem, acho excelente ideia, mas isso vai fazer com que pessoas deixem de desrespeitar os outros em restaurantes e afins? Não. Um fumador prefere não comer a ter de não fumar. Por isso façam-se as leis. Os fumadores podem ir para as suas salas de chuto cigarrético e nós, os tão odiados e chatos não-fumadores, podemos apreciar o nosso jantar em paz.

terça-feira, dezembro 5

Assassino

A conversa não é nova e a questão arrasta-se, sendo sempre um tema favorito quando se fala de Educação em Portugal. Que os meninos não sabem Matemática, não sabem Física, que se trocam com os números e baldrocam com as contas. Este choradinho é sempre o mesmo, constante, insistente, imperturbável e perturbante. E quase sempre são as pessoas de Humanidades e de Ciências Humanas os mais acusados. Como eu. Que fugimos da Matemática e que por isso fomos para o Agrupamento 4, que para fazermos uma conta simples recorremos ao telemóvel ou à calculadora, que somos isto, aquilo e ainda mais aquilo ali além. Pois bem, se aos ditos numerólogos choca o estado da Matemática e afins em Portugal, a mim ainda choca mais os constantes homicídios cruéis, a sangue frio e com requintes de malvadez que sofre a Língua Portuguesa.

Tudo isto graças a um professor universitário da área da Física (penso eu) que insistia em dizer, em pleno Telejornal, «nós mantemos», «nós mantemos», «nós mantemos», e dali não saía.

domingo, dezembro 3

Caminho

Caminho para o escritório, cedo, sempre demasiado cedo. Vejo crianças a correr, de sorriso nos lábios, ansiosas por reencontrarem os amigos na escola, a senhora perfumada desce apressada a calçada e deixa um rasto atrás de si, a Maria pequenina passa e dou-lhe o beijinho matinal, no café as três colegas tomam o pequeno-almoço, três madalenas e três bicas, a mãe já cansada tenta seguir o filho que corre pra o quiosque para saber as novidades dos últimos cromos da caderneta da moda, as testemunhas de Jeová chateiam-me a meio das escadas, a malta jovem, para não dizer os miúdos, fuma estupidamente o primeiro cigarro da manhã. E todos os dias de manhã é assim.

Caminho para casa, tarde, sempre demasiado tarde. As ruas estão silenciosas, à parte dos sem-abrigos que conversam sobre rendas de casa, ainda em contos, embrulhados nos seus retalhos e tendo por colchão uma caixa de papelão, as paragens estão iluminadas de vida mas vazias como a morte (os transportes em Lisboa parecem ter o condão de não acompanharem o ritmo dos cidadãos), caminho por bairros típicos habitados por gentes de paradeiros longínquos e sou confrontado com idiomas estranhos, as sombras atravessam-me o caminho mas seguem-me até à porta. A cidade é bela.

Vida

I'll tell you this
No eternal reward will forgive us now for wasting the dawn

Jim Morrison

Muitas vezes dou por mim a pensar, e com cada vez maior frequência ultimamente, sobre o propósito da vida e sobre a forma como a organizamos. Existimos para sobreviver, como meros animais não racionais, trabalhamos cinco dias em sete (alguns mais que isso), empenhamos a maior parte do nosso tempo em actividades extenuantes, mecânicas, esgotantes, tudo para ganharmos uns trocos ao final do mês que nos mantenham à tona da água. Vivemos quantitativamente para satisfazermos as nossas necessidades materiais, a comida no restaurante, a lista no supermercado, a conta da água, da electricidade e afins, a gasolina e as milionárias inspecções e revisões, a roupa, etc. e tal. E onde entra o prazer da vida? As necessidades sensoriais? O gosto de viver por viver? São poucos os momentos que temos disponíveis para o fazer, vividos intensamente e de forma quase louca e desenfreada, como se fossem os últimos de uma saga que nos parece sempre curta de mais.

E por isso vivemos desequilibrados. O material, enfadonho, longo, arrastado, contrasta violentamente com o sensorial, sem limites de tempo, ou espaço, ou consciência, ou do que quer que seja. E o resultado só poder ser um: o esgotamento, a luta entre duas faces tão distintas que quase se afogam e destroem mutuamente.

Caminhamos para o abismo? Talvez. Penso que temos de refundar o nosso modo de vida, sob pena de termos robots no trabalho, espartilhados, personalidades anuladas e insípidas, e seres transgressores no campo sensorial, sem noção do meio, princípio ou fim.