Tigre da Tasmânia

«Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida» C. Lispector

terça-feira, agosto 30

Desporto

E falando de desporto, porque a vida é plural.

Ontem começou em NYC o US Open em ténis, a quarta etapa do Grand Slam, depois do Open da Austrália em Melbourne, Roland Garros em Paris, e Wimbledon em Londres.
Para os amantes e praticantes de ténis é uma das datas mais importantes do calendário mundial. Os melhores jogadores ao mais alto nível, naquele que é apelidado o mais democrático dos fab four, devido à superfície em que é jogado (cimento, que equilibra os especialistas de relva, adeptos do jogo mais rápido, com os especialistas da terra batida, mais lenta) e ao melting pot que é NY. Alguns descrevem o US Open como um Big Mac gigante, com muita coca-cola, muito barulho, aviões constantemente a cruzar os céus, rock durante os aquecimentos, enfim, the american way of life. Um dia, como espectador, hei-de estar presente nos quatro torneios do Grand Slam, já que nunca o pude fazer como jogador. Let the games begin.

Pegando num tema da semana passada... O sorteio da Liga dos Campeões da UEFA, em que estiveram envolvidos SL Benfica e FC Porto. Para quem ainda não sabe sou um fervoroso benfiquista/lampião, muito low profile, mas sempre adepto. Talvez o desastroso início de campeonato me tenha impedido de falar no assunto, mas quem gosta gosta sempre...
O SL Benfica ficou colocado no grupo D, juntamente com o colosso Manchester United, e ainda o Villareal e o Lille. A passagem à fase seguinte tem de ser conseguida. Este é um dos grupos mais acessíveis do Liga dos Campeões deste ano, e se o SL Benfica não conseguir ter sucesso mais vale nem tentar. Reforçe-se e equipe-se para poder de novo lutar de igual e reocupar um lugar que já foi seu: o topo do futebol europeu.

Não descanses

«Recomeça
Se puderes sem pressa e sem angústia.
E todos os passos que deres
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade»

Miguel Torga

domingo, agosto 28

Piscinas de ondas em Castanheira de Pêra chumbadas

Nesta senda pelo Centro do país fui no outro dia a Castanheira de Pêra, visitar as tão faladas piscinas com ondas. E não voltei satisfeito.
O teor de cloro das águas deve estar no limite da legalidade, tal era a concentração do detergente. Vigilantes, num espaço em que um dos funcionários se orgulha de dizer que o record de presenças num dia está em 6 mil, só vi dois.
As ondas não atingem meio metro, duram pouco mais que um par de minutos, e apenas de hora a hora.
Mas o mais negativo reside no espaço envolvente. Há uma nesga de relva, numa ilha pré-fabricada no centro da piscina, sendo que o restante são bancadas de betão (!). Com toda a certeza que não muitos confortáveis para estender a toalha e gozar o sol, ler um livro, ou simplesmente encostar a cabeça por uns minutos.
Para este recinto, e mais uma vez é relevante recordar aqui o record de 6 mil visitantes, existe uma saída por onde passa uma pessoa, estando o resto envolvido por uma rede de ferro branca. Ideal para esmagamentos em situações de pânico ou emergência.
A olho nu detectam-se todas estas falhas. Uma investigação mais pormenorizada poderia até concluir da ilegalidade desta obra-maravilha. Será?

«Oh amigos! No descuidéis las virtudes con que habéis sido dotados, ni séais negligentes con vuestro alto destino... Sois las estrellas del cielo del entendimiento, la brisa que sopla al amanecer, las fluyentes aguas de las cuales debe depender la vida misma de todos los hombres, las letras inscritas en su pergamino sagrado»

Bahá'u'lláh

Pérola do gótico renasce das águas em Coimbra

Nesta semana de descanso rural uma das escapadas foi a Coimbra, ao Mosteiro de Santa Clara-a-Velha. Para os mais distraídos Santa Clara é uma construção na margem sul do Mondego, onde originalmente foi sepultada a Rainha Santa Isabel, mulher do Rei Dom Dinis. Concebido como um local de reclusão para as monjas clarissas, ou seja, aquelas que professavam a Ordem de Santa Clara de Assis, a equivalente feminina de S. Francisco de Assis, o antigo convento teria de ser auto-suficiente, com dormitórios, hortas, refeitório, estábulos e tudo o que permitisse uma vida isolada do mundo exterior. Tudo isso foi perdido devido às cheias do Mondego, que desde o século XIV começaram a fustigar o local. A solução encontrada pelas monjas foi a de colocarem pedra sobre pedra, subindo o nível do chão e literalmente afogando a água. O abandono deu-se no século XVII, quando não era mais possível remendar a situação. O corpo monástico subiu para o Mosteiro de Santa Clara-a-Nova e Santa Clara-a-Velha foi abandonada, até nada mais sobrar à superfície das águas que a imponente igreja, uma pérola do gótico. Bombeada toda a água na década de 90, é hoje possível visitar o conjunto arquitectónico como seria à altura da construção. E digo-vos que vale a pena uma visita guiada ao local. Pelo romantismo de um conjunto que esteve durante séculos debaixo de água, pelo simbolismo de ter sido o mosteiro favorito e protegido da Rainha Santa, por Inês de Castro ter percorrido aquelas paragens, enfim, por ser Coimbra, e para abraçar Coimbra não é preciso qualquer pretexto. Vale a pena.

Proscritos

Proscritos

Descaíram braços
ficamos sem contar o resto
que se passou outrora
apagamos traços
ficamos sem notar os vincos
na carne da memória

Já tapamos os quadros
aconchegamos os lençóis
das figuras principais
e beijamos as testas
remetendo p'ra bons sonhos
as lembranças ancestrais
Somos proscritos
senhores da face escura dos sois
já nos quiseram benditos
já nos amaram como heróis

Até já
não suportamos tanto
voltamos já
desarrumados do canto
já é depois
somos os filhos do espanto
já estamos cá
ainda nos resta um encanto

Como demónios vamos
sobrevoando as partituras das cabeças geniais
como toupeiras vamos
adivinhando com angústia os passos débeis e finais

Estaremos já
de pés e mãos atados
a um conforto qualquer
ou então esquecemos
que viver merece a luta
que merece uma mulher

Proscritos, com letra de Luís Represas,
in Luís Represas ao Vivo no CCB, de Luís Represas

Pensamentos do dia II

E falo de novo dos fogos... Principalmente depois de uma semana com os incêndios à porta de casa, a poucos km's, bem visíveis. Noites iluminadas por paredes de chamas, mil objectos invadidos por faúlhas e cinzas, muito fumo e muito desespero, sirenes a alarmar a noite.

Mas como evitar a propagação dos incêndios se as populações não mantêm limpas as suas propriedades? Arbustos e vegetação rasteira são um convite veloz para o avanço das chamas, que caso contrário seriam mais facilmente controladas. Criem-se cooperativas e associações comunitárias para limpeza dos campos em cada concelho. Obriguem-se as populações a fazê-lo, e por quem não o fizer que o façam os órgãos de governo, que depois cobrariam o serviço ou legalmente apossarse-iam do terreno.

Num destes dias de maior aflição fui à corporação de bombeiros da vila. Para espanto e indignação estavam apenas três pessoas para o serviço dessa noite. O comandante bem se queixava: «Como é possível as pessoas irem de férias nesta altura...»

As televisões continuam a abusar e a explorar o assunto incêndios de forma mais que sensacionalista. Quando pensávamos que os máximos da devassa haviam sido atingidos com as tragédias de 2003 temos em 2005 RTP, SIC e TVI no seu pior. Salta do fogo A para o fogo B, apanha a histeria nervosa da senhora Maria em grande plano, faz zoom in das lágrimas envergonhadas do senhor Manuel. E com isto gastam-se mais de 30 minutos de um telejornal. Mesmo num destes dias, em que os incêndios acalmaram e não lavravam o país, a SIC cometeu a proeza de dedicar os 20 minutos iniciais ao tema... e como objecto narcísico emitindo uma reportagem em que um repórter num inglês macarrónico entrava em directo com um canal inglês. O básico descritivo dito em português é já sofrível, apenas podendo piorar quando transformado em inglês... E como é possível fazer um telejornal com quase dez directos (que são uma opção caríssima) sobre NADA, sobre literalmente NADA. As televisões nacionais também elas não cresceram...

sexta-feira, agosto 19

Aqui em baixo...

Aqui em baixo...

Aqui em baixo é tudo azul
o arco-íris é azul
e é azul a chuva quando molha
a minha casa está no mar
no fundo, bem fundo, azul
sem fronteiras a dividir corações

Aqui em baixo é tudo azul
o meu lugar é azul
em azul até dançam as areias
só se vê estrelas no mar
num silêncio todo azul
e mais as bolhas de
ar que nos rodeiam

Quando o riso tiver cor
um reflexo de calor
como pássaro liberto no teu quarto
rio amarelo interior, ondas de sal e vapor
fazem desenhos na água do teu parto

Aqui em baixo é tudo azul
a lua veste de azul
anémonas são nossas caricaturas
e se a morte for azul
e dormir no fundo mar
onde os sonos nos confiam as lembranças

Aqui em baixo é tudo azul
o arco-íris é azul
e é azul a chuva quando molha

Aqui em Baixo, com letra de João Afonso,
in Barco Voador, de João Afonso

O poder da Verdade

«O bem-estar da Humanidade, sua Paz e Segurança, são irrealizáveis a não ser que, e até que, a sua Unidade esteja firmemente estabelecida. Que não se vanglorie quem ama o seu próprio país, mas sim quem ama toda a Humanidade. A Terra é um só país, e a Humanidade os seus cidadãos!»

Bahá'u'lláh

Geração Viva electrizante

Durante cinco anos fiz parte do Geração Viva.

O Geração Viva é um Grupo de Dança e Teatro apoiado pela Comunidade Bahá’í de Portugal cujo objectivo é apresentar danças que representem a sociedade e os seus problemas, bem como a sugestão de algumas soluções. O facto do grupo ser composto por jovens pretende igualmente demonstrar o poder da juventude dado acreditar-se que a Juventude pode mover o Mundo. A sua acção é não lucrativa, sendo o propósito expandir a Mensagem da Religião Bahá’í através das artes: a dança, o teatro e a música. O espectáculo que este grupo apresenta consiste em breves peças que retratam os princípios desta religião: a eliminação de preconceitos e dos extremos de riqueza e pobreza, a igualdade de direitos e oportunidades entre o homem e a mulher, uma posição firme em relação às drogas e à violência na família, a unidade da Religião e a unidade na diversidade cultural da Humanidade e a resolução da confusão actual na busca de valores consistentes.
A ideia de constituir um grupo deste género vem já desde a década de ’70, no Canadá, onde foi formado o primeiro grupo, denominado WildFire, de onde aliás continuam a emanar as danças elaboradas por uma coreógrafa profissional. Neste momento existe mais de uma centena de grupos semelhantes, um pouco por todo o planeta, todos com o mesmo objectivo e mensagem: a Unidade na Diversidade. O grupo português, primeiro denominado Diversity Dance Workshop, tomou forma no Verão de 1998, através de dois jovens que tinham participado num projecto semelhante durante o ano anterior um pouco por toda a Europa. Da actividade do grupo português destacam-se actuações na EXPO’ 98, no Festival Mundial de Juventude na Costa da Caparica em 1998, na Madeira em 2000 e na Mostra Pedagógica do Distrito de Braga 2001, nos Açores em 2002, com a associação UMAR, bem como presença assídua nas Feiras do Livro de várias cidades, bem como espectáculos em Espanha e França.

Para relembrar um pouco esses gloriosos tempos aqui fica um texto recentemente escrito:

Geração Viva continua bombástico!

Foi em meados Junho, em Tábua, que fui dar uma mãozinha ao Geração Viva do Norte, num espectáculo integrado num projecto de uma professora que por sorte assistiu ao nosso espectáculo em 2002, em Alvaiázere.
Indo um pouco atrás no tempo, em finais desse ano um grupo de jovens organizou o II Encontro Nacional de Artes, que foi sem dúvida um sucesso, a julgar pela opinião de todos os presentes, que ainda hoje falam com saudades dessa reunião. Na altura, o Geração Viva ofereceu à vila o seu espectáculo, como forma de explicar um pouco do projecto que aí estivemos a realizar durante uma semana, em Dezembro. Na assistência estava Elisabete Brito, que por coincidência é amiga e colega de curso de uma das minhas primas de Alvaiázere. A Elisabete ficou de tal forma encantada que a seguir à actuação foi logo falar com todos nós e demonstrou a intenção de poder contar com o GV no futuro. Um futuro que se concretizou agora, a 15 de Junho, sinónimo de que as sementes que lançámos no passado e que lançamos no presente têm sempre o seu fruto, mais tarde ou mais cedo.
E esta pequena introdução para explicar o porquê da ida do GV a Tábua e o momento especial que foi. 2002 foi o meu último espectáculo a dançar, embora o GV esteja sempre nas minhas prioridades, em tudo o que possa ajudar. Agora em 2005 senti uma passagem de testemunho. Senti que os esforços do grupo inicial (Marjan, Raha, Raquel, Bruno, Daniel, Shiva, Melissa e Fernando, a que depois se juntaram Verinha, Maló, David, eu, entre outros) produziu os seus resultados e que o GV mantém-se bem vivo e sólido. Somos agora, como disse a Stella, e muito bem, uma família de mais de 40 jovens, e aí está o segredo, o sentimento de irmãos e de companheirismo entre todos. Porque não somos jovens que dançam, somos sim instrumentos pelos quais uma mensagem é transmitida.
Já lá vão oitos anos, em vésperas do Verão de 1998, desde que o GV, então ainda Diversity Dance Workshop, começou a germinar em Portugal. Um dia antes de ir para o Algarve de férias recebo uma chamada da Marjan, cujo ano de serviço tinha sido dedicado ao grupo de dança europeu, a falar-me deste projecto e a convocar-me para o desafio. Os compromissos familiares já assumidos não permitiram que me juntasse ao grupo, mas na primeira oportunidade (dois meses depois, a seguir ao fantástico espectáculo na EXPO’98), integrei o DDW. Foram, infelizmente, dois meses a menos nesta maravilhosa experiência, brilhante a todos os níveis. Sentir que de facto se está a fazer algo pela Humanidade, a dar o nosso pequeno contributo, mas a fazê-lo, e isso é o mais importante. É só preciso que cada um de nós dê o primeiro passo, como a Raquel dizia no final de cada espectáculo. E confirmar que estes jovens continuam a dar os passos do GV foi por demais gratificante.
O lema do grupo aplica-se na perfeição. Unidade na Diversidade. Na diversidade de crenças, de origens culturais, de idades, de géneros e… de esforços. Todos os esforços são legítimos, e são precisos muitos e diversificados, para que a Humanidade seja, finalmente e de facto, como um TODO.

As minhas entrevistas

Inserido no meu trabalho com a Comunidade Bahá'í de Portugal tenho realizado uma série de entrevistas sobre diversos temas e sobre a visão dos Bahá'ís sobre diversos assuntos. Hoje publico a primeira conversa, já emitida no programa «A Fé dos Homens», na 2:.


A Vida depois da Morte sempre foi um tema de certo modo tabu. Todos estamos cientes de que um dia vamos morrer, que esta vida vai terminar. Uns tentam não pensar muito nisso, outros vivem quase obcecados com o tema. Mas, mal ou bem, todos temos curiosidade em saber se existe alguma coisa para além da morte, se existe alguma coisa do outro lado. A Religião Bahá’í tem uma visão muito própria sobre o tema, e é sobre essa visão que vamos falar. Para reflectir sobre o tema entrevistei Maria da Piedade Antunes, mais conhecida entre todos por Dadinha. A Dadinha tem um percurso de vida notável, tendo vivido em Luanda, Londres e Paris. É pintora desde sempre e nos seus trabalhos transmite sempre um misto de emoções que vão para além do transcendente. Tem um interesse particular por este tema da vida depois da morte e sobre ele tem-se debruçado.


Qual é a posição da Religião Bahá’í em relação à Vida depois da Morte?

A passagem deste mundo físico para o mundo não físico ocorre com a morte do corpo. Os Bahá’ís, como a grande maioria das religiões, acreditam que a morte do corpo é um processo semelhante ao nascimento. Durante nove meses, um bébé desenvolve-se num ambiente que lhe é, geralmente, agradável e confortável – hoje em dia sabe-se que dentro do útero materno ele já tem algumas percepções do mundo exterior, sendo reactivo, por exemplo, à música e aos sentimentos amorosos que os pais nutrem por ele, etc. Mas quando ocorre o parto, isso é um momento difícil para o bébé, porque deixa o seu sossegado mundo uterino através de convulsões variadas e dolorosas para entrar num ambiente que lhe é, nessa altura, doloroso (o primeiro insuflar de ar nos pulmões é doloroso!) e, no entanto, cá fora, toda a família estará naturalmente feliz porque um novo ser saiu do útero materno para a luz do dia!
Entre este acontecimento feliz e a morte física do corpo, embora aparentemente de sinais opostos, a semelhança é enorme, em boa verdade, quase total.
Dentro do útero, o bébé vai, progressivamente, desenvolvendo o seu corpo, todos os seus órgãos, aprende a respirar, a mover-se, a alimentar-se, preparando-se para o dia em que vai entrar no mundo físico, tornando-se um ser individual. Ele não tem consciência disso, mas dentro do útero materno está a desenvolver os meios que o apetrecharão à sua vida neste mundo. Depois, nasce e, sucessivamente, será criança, adolescente, adulto e velho, aproximando-se do final dos seus dias sobre a terra! Entretanto viveu, aprendeu com a vida, com os outros, amou, sofreu, desiludiu-se, voltou a amar, ganhou, perdeu, enfim, teve experiências variadas no mundo humano que fizeram dele ou um bom homem ou um indiferente. O Homem, de quem estamos a falar, ou seja, cada um de nós, se durante a sua passagem por esta terra não soube ver, ouvir e olhar para si e para os seus semelhantes, aperfeiçoar-se, limar as suas imperfeições, desenvolver as suas qualidades, no dia em que morre fisicamente, o seu espírito, naturalmente, carrega consigo todas as imperfeições que tinha em vida. O seu corpo será enterrado e em pó se transformará mas o seu espírito carente terá que fazer uma longa caminhada nos planos espirituais para poder atingir a percepção e o nível a que as religiões chamam, mais comumente – a presença de Deus.

A Religião Bahá’í, à semelhança da Filosofia, distingue corpo e espírito. Fale-me um pouco dessa distinção.

É o espírito que dá vida ao corpo físico, o espírito é o cavaleiro, o corpo é o cavalo.

Devemos temer a morte? Pergunto-lhe isto porque nas Escrituras Sagradas Bahá’ís há uma citação que diz que a morte é a mensageira de júbilo.

Aquele que durante a sua vida física cuidou igualmente do seu corpo físico e do seu corpo espiritual, poder-se-á sentir triste por deixar o contacto físico com os que ama, mas não temerá a morte porque entende que a morte é um estado ilusório – a morte não existe – pois continuará a viver espiritualmente. Realmente Bahá’u’llah diz «Fiz da morte uma mensageira de alegria para ti, porque te afliges?». Apesar de nós sabermos isso, é natural que as ligações aos afectos aos sentimentos e se calhar às coisas materiais nos impeçam de entender a profundidade desta frase. Certamente a evolução que iniciámos neste mundo terá que continuar pelos mundos espirituais, do tempo sem tempo, na caminhada para a compreensão da unidade divina, até que nos possamos fundir no Todo.

Como nos podemos ou devemos preparar para a morte e para a próxima vida, pessoalmente e perante os outros?

O comportamento social e espiritualmente correcto, amando-se e amando os outros, a compreensão de que todos somos um e que o bem de todos é o nosso bem; fazer isso sem espera de retorno, desinteressadamente, são sinais de desenvolvimento espiritual. Meditar, orar, estabelecer a ligação com a luz, porque a luz existe sempre mas cabe-nos aprender a accionar o interruptor, são para os Bahá’ís linhas mestras de aperfeiçoamento no caminho de Deus. Se agirmos desta forma – fórmula citada por todos os Manifestantes de Deus - certamente estaremos a agir de acordo com o Plano de Deus para a sua criação. O Céu e o Inferno convivem connosco todos os dias e precisamos fazer opções diariamente, porque os nossos céus e os nossos infernos começam e existem por aqui.

Ao falar no outro dia sobre a morte com uma senhora Bahá’í, ela disse-me que o corpo, depois de morto, não passa de «um invólucro». O que acontece então a este corpo sem vida?

Este corpo decompor-se-á e integrará o circuito normal da vida física – na vida, nada se cria e nada se perde, tudo se transforma, não é? Portanto o tal «invólucro» vai seguir o seu destino irremediavelmente certo!

Os Bahá’ís têm uma lei que diz que o corpo deve ser sepultado a não mais de uma hora de caminho do sítio onde o ser morreu. Porquê?

Exactamente porque a religião Bahá’í não valoriza a «casca do ovo», valoriza, sim a ave que alça o voo para os céus! Assim, a terra onde se dá o falecimento, é boa terra para receber de volta aquele que sendo pó, em pó se transformará e por aí deverá ficar enterrado. É do espírito que deveremos cuidar com as nossas preces e os nossos bons pensamentos, provendo-lhe alimento espiritual, por forma a facilitar a sua caminhada pela eternidade, até atingir o mais alto plano, no Reino de Deus.

A Religião Bahá’í impede também a cremação do corpo morto. Qual é a razão?

Essa pergunta tem a ver com a anterior - Tu és pó e em pó te transformarás daí que os elementos que compõem o corpo devam voltar à Mãe Terra.

O que poderemos encontrar do "outro lado", depois da morte física?

Encontraremos, segundo os ensinamentos Bahá’ís e segundo o nosso grau de desenvolvimento espiritual, vários estágios, planos ou vales de aprendizagem e aquisição de conhecimentos no caminho da verdade para atingirmos a proximidade de deus. Poeticamente, Bahá’u’llah chama a estes vales da nossa escalada o Vale da Busca, o Vale do Amor, o Vale do Conhecimento, o Vale da Unidade, o Vale do Contentamento, o Vale da Admiração, o Vale da Verdadeira Pobreza e da Inexistência Absoluta.

Périplo pelas noites portuguesas: Tasca do Chico (Lisboa)

Tasca. Haverá coisa mais portuguesa que uma tasca? Mesmo que nos acenem com os chiques cafés parisienses quentinhos e a cheirar a croissants ou com as cafetarias americanas estilo anos 60, com os bancos corridos, um gigantesco batido de morango à nossa frente e uma empregada com um chapéuzinho tipo enfermeira atrás do balcão, será que um verdadeiro português não continua a preferir uma tasca? Penso que sim. E onde quero eu chegar com isto? À Tasca do Chico, um barzinho no Bairro Alto, no coração de Lisboa. Desde há uns tempos que multidões se concentram à porta do «Chico», em frente ao Palpita-me. E digo à porta porque o espaço no seu interior é exíguo, como numa tasca deve ser. Mas o que torna este local tão especial? Será a fama do fado vadio, às segundas e quartas por volta das 22h? Dizem que Mariza começou por ali, e de facto lá estão na parede fotografias da nossa fadista da moda, quando era apenas uma ilustre desconhecida. Serão as empregadas, quase todas brasileiras e muito simpáticas no seu sotaque doce do português do outro lado do Atlântico? Minto. Anda por lá uma cubana que só a muito custo lhe arrancamos um sorriso, e apenas um esboçar de lábios, não muito mais. Será a famosa, deliciosa e barata sangria, já que os jovens andam sempre sem dinheiro e convém poupar todos os poucos euros que temos na carteira? Ou será a mistura de tribos urbanas que por lá se junta? Sejam betinhos ou radicais, surfistas ou indies, rastas ou yuppies, por lá encontramos de tudo. Eu arrisco que é porque nos sentimos bem. É já um clássico combinar um encontro no Bairro Alto em em frente à «Tasca», beber qualquer coisa, e depois seguir um périplo pelos outros bares: Clube da Eskina, Arroz Doce, 121, e depois partir para mais altos voos, seja na Kapital seja no Lux, onde se acaba a noite. O «Chico» não foge muito à decoração das outras tascas: mesas e bancos de madeira, paredes de azulejo carregadas de fotos e cartazes, muitos cachecóis de todas as equipas de futebol, nacionais e estrangeiras, pendentes do tecto, as inevitáveis televisões ligadas na SportTV, a máquina do tabaco e as muitas garrafas de tudo o que se possa imaginar atrás do balcão. E muita, muita gente, acotovelando-se sem grandes ondas, em amena cavaqueira, simplesmente conversando, num ambiente descontraído, ao som de música brasileira, pois claro.

Quem é o pedro?

«Quem sou eu? – disse eu
só que ninguém respondeu, ninguém
mas o que foi que me deu
para estar hoje assim?
Estou aqui, se estou
mas para onde é que eu vou, quem sou?
Toda a gente sabe mais ou menos quem é»

Sérgio Godinho, Os Amigos do Gaspar

Há várias formas de responder, e aqui seguem algumas tentativas, todas correctas mas nenhuma completa.

No dia 9 de Maio comemora-se o Dia da União Europeia. Foi também nesse dia, em 1981, que nasceu Pedro Rodrigo Aquino Vaz da Mota Marques. Nome sonante, extenso e complicado, por vezes aborrecido, mas que tem a sua razão de ser. O Aquino e Vaz são espanhóis, de raízes que se perderam no tempo e no espaço, algures entre Salamanca e Cáceres, mas que aqui estão para provar que, mesmo do lado de cá da fronteira, na generosa Cova da Beira, no olvidamos nuestros hermanos. O sentir beirão bate forte no peito de Pedro, ao compasso do adufe das suas raízes. O Mota Marques, nome que nos faz pensar em empresas e gestão, é um acaso feliz da grafia... Como gosta de dizer, Pedro é mais um habitante do mundo e acredita que a Terra é um só país e a Humanidade os seus cidadãos.

***

Os olhos a atirar para o verde, os cabelos quase louros no Verão, os lábios secos e carnudos e o nariz afilado compõe Pedro Marques. A descrição encaixa tanto num português como num espanhol, e é isso que Pedro é: um cidadão da Península Ibérica. As raízes perderam-se no tempo e no espaço, algures entre Salamanca e Cáceres, mas também na Cova da Beira e em Tomar. Como gosta de dizer, Pedro é mais um habitante do mundo e acredita que «a Terra é um só país e a Humanidade os seus cidadãos.»

***

Desde 1986, com a adesão de Portugal à então CEE, o dia 9 de Maio é comemorado no nosso país como o Dia da Europa. Alguns anos antes, no mesmo dia, em 1981, nasceu Pedro Marques. A coincidência é feliz, visto que Pedro identifica-se cada vez mais como um europeu, como membro de um continente cujo cunho está vincado na história da mundo.

***

Distinto num fato completo no meio de uma cerimónia ou descontraído com uns calções e t-shirt num court de ténis, o facto é que Pedro Marques sente-se à-vontade, de bem consigo próprio e com o mundo. É com um espírito positivo que encara o futuro, esperançado que haja espaço para si no mundo do Jornalismo.

***

A timidez e a insegurança da infância já desapareceram mas a verdade é que nos olhos de Pedro Marques persiste uma certa inocência e até ingenuidade. Chegar até onde chegou é para si um troféu, mas Pedro sabe que apenas correu alguns, poucos, quilómetros da sua maratona.

***

Quando o professor de ténis viu o rapaz franzino a correr para a bola e passar à frente do seu aluno Pedro pensou que algo estava errado... O rapaz franzino era Pedro Marques na sua primeira aula de ténis, quando ao ouvir chamar «Pedro» acorreu desastradamente ao apelo. A vida nos courts não começou da melhor maneira, embora Pedro hoje assuma que «já dá umas pancadas».

O que pretendo com este blog?

As palavras da genial Elis Regina descrevem um pouco as minhas intenções com a criação deste blog. O Tigre deve ser como «uma casa no campo onde eu possa plantar meus amigos, meus discos e livros e nada mais; e tenha somente a certeza dos amigos do peito e nada mais...».

O Peer Gynt também me dá uma ajuda, com a metáfora das várias camadas de uma cebola criada por Ibsen. Só que desta vez as cascas que retiramos não são para deitar fora. Cada uma delas tem um significado que é para ser guardado. Se tal não acontecer não estamos a fazer a nossa parte, e um dos tijolos-base ameaça a queda de toda a estrutura.

Para me explicar melhor recorro a Brecht, que nos dizia que o discurso funciona como mediação, e a mediação passa pela forma de nos pormos em contacto uns com os outros, por uma forma de sociabilidade e transmissão de mensagens. O discurso é mais uma forma de comunicação, da comunicação, e como tal visa que as pessoas interajam entre si, que as barreiras do silêncio (ou mesma aquelas do discurso verborreico) sejam derrubadas. Se não para que serviria um discurso que não fosse a comunicação? Comuniquemos, seja por palavras, por imagens, por música, pela dança, pela mímica, pelo teatro, pelo corpo, pelas sensações, pelo som, pelo texto, enfim, comuniquemos pela vida, porque a vida significar comunicar, pôr em comum. A não comunicação é a não vida. E a não vida leva à morte.

Pensamentos do dia

Os fogos, sempre os fogos. Mais um ano que decorre e mais uma vez os incêndios lavram Portugal de Norte a Sul. Toda a gente fala do assunto, mas será que todos contribuímos? A Terra é a nossa casa comum e ninguém tem o direito de colocar em risco a parcela de cada um.
Várias questões se colocam:
Porque continuam a lavar as ruas em altura de seca extrema? Porque é que as bombas de água dos postos de gasolina não têm dispositivo de fecho, ficando a água a correr ad eternum?
Porque é que os milhares de militares do país e os prisioneiros a cumprir pena leve não prestam um verdadeiro serviço cívico e participam no combate aos incêndios, ao invés dos primeiros brincarem às guerras com armas obsoletas e autoridades fictícias e dos últimos sobrelotarem os estabelecimentos prisionais?
Porque não é lançado todos os anos, na Primavera, um verdadeiro programa de limpeza das florestas, com a participação dos já mencionados militares e prisioneiros, mas sobretudo de crianças e jovens, que fariam deste iniciativa o seu projecto da Área Escola? Não só contribuiriam para um indubitável retrocesso de risco de incêndio como também seria neles criada consciência ambiental, ecológica e cívica.
Profissionalizem-se os bombeiros, castiguem-se ferozmente os culpados de fogo posto, mas acima de tudo tomem-se medidas de prevenção, porque é muito mais fácil actuar a montante que a jusante. O grande culpado dos fogos em Portugal não é o Verão abrasador que todos os anos atinge o país. O grande culpado é todo aquele que nada fez durante o ano na área da prevenção. E isso está nas mãos de todos.