Tigre da Tasmânia

«Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida» C. Lispector

quarta-feira, dezembro 31

Grande Educador da Classe Operária

E de novo no metro… Um senhor chegou e perante um folheto em cima do banco deu-lhe um safanão e empurrou-o para o chão, sentando-se em seguida. Em frente estava um outro senhor com um menino ao colo. O menino apontou para o panfleto e disse ‘Alguém deixou cair!’ E depois apontou para o senhor ‘Foi ele!’ O senhor não reagiu nem o pai do menino. E quando o menino se preparava para dizer mais qualquer coisa o senhor levantou-se como uma flecha e foi-se embora.

O menino tinha toda a razão e apeteceu-me juntar a minha voz à dele. Muitas pessoas portam-se na rua ou nos transportes públicos como nunca o fariam em casa, deitando papéis para o chão, atirando maçãs roídas ou beatas de cigarros. Já por várias vezes estive tentado a chamar a atenção, mas depois penso que não vale a pena comprar guerras. A consciência ambiental já falou mais alto umas duas ou três vezes e as pessoas envergonhadas foram apanhar os papéis que tinham atirado para o chão. Mas como diz um livro conhecido, fazer isto todos os dias cansa.

segunda-feira, dezembro 29

David Lynch no Metro de Lisboa

Hoje em mais uma viagem de metro (e são duas diárias, dez semanais), sentei-me ao lado de um senhor que entre sete paragens olhou 14 vezes para o relógio.
Uma porque estava com pressa e queria mentalmente atrasar os ponteiros.
Duas porque recebeu um relógio novo no Natal e não se cansava de o admirar.
Três porque tinha receio que alguém o tivesse roubado.
Quatro porque estava habituado a ter um relógio digital e tinha ainda dificuldades em acertar nos ponteiros.
Cinco porque os filhos vivem em São Paulo e queria saber que horas eram lá.
Seis porque disseram-lhe que aquele relógio era mágico e mudava de cor conforme os humores e ele queria tirar a prova dos nove.
Sete porque os gatos têm sete vidas e ele sempre sonhou em ser um gato.
Oito porque me queria transmitir uma mensagem encriptada como a cena da rosa azul no filme Twin Peaks do David Lynch (não captei a mensagem).
Nove porque foi picado por uma melga no pulso e estava a evitar coçar, fazendo-o com a força da mente.
Dez porque é um número redondo.
Onze porque é o número de uma equipa de futebol e o senhor é orgulhosamente benfiquista e não perde uma oportunidade de lembrar-se disso.
Doze porque era o número dos apóstolos e estamos ainda na altura do Natal.
Treze porque o senhor é de Montalegre e há o culto da Sexta-feira 13.
Catorze porque o treze é o número do azar e o senhor lembrou-se de acrescentar para não prejudicar ninguém.
E no final não captei a mensagem da Rosa Azul.

terça-feira, dezembro 23

O 28

Andar no 28 é sempre motivo de alegria. E de saudade. Sendo um privilegiado lisboeta por ter uma das paragens mais emblemáticas à porta de casa, a da Basílica da Estrela, desde sempre que a minha história se confunde com o eléctrico.

Quando era pequeno ia ter com a minha Mãe às lojas que a família tinha na Baixa (ou voltávamos juntos). Mas também ia ter a casa de outra que é também a minha família, a Ana Maria, a Vanda e o André, que viviam na Bica (o janelão da sala voltado para o Tejo é uma memória que não se esquece nunca). Ou jantar a casa do António em Alfama (que também já viveu na Baixa e no Chiado). Ou ir com a Andreia comer croissants à Bénard. Ou ir dar um giro com a Sofia quando ela está em Lisboa. Ou ir para o Diário Económico no Carmo (foi só uma semana, depois trocada pela Capital). Ou ir ter com os amigos à noite ao Bairro Alto.

Ou simplesmente ir dar uma volta sozinho, subir e descer colinas, no ritmo certo do eléctrico, olhar para as pessoas e para os turistas, imaginar a história de cada um.

Parece que finalmente o eléctrico 24 vai voltar. Desse não me lembro nada, mas vai ser com satisfação que vou coleccionar novas memórias.

domingo, dezembro 21

O Natal de Lisboa

Nesta altura de Natal chovem as crónicas e os relatos daqueles que vão passar o Natal a terra das origens. Falam da lareira acesa, dos doces especiais, do frio, da família.

Eu sempre passei o Natal em Lisboa e felizmente também tenho cá tudo isso. Há lareira acesa, há doces especiais (ou não fossem todos uns excelentes cozinheiros), há frio (e parece que de ano para ano há cada vez mais) e há a família sempre especial (já vamos sendo menos à mesa, mas faz parte).

Gosto muito de passar o Natal em Lisboa. Tal como no Verão, a cidade fica vazia. Há um silêncio nas ruas que convida à reflexão. Há muitas luzes de Natal por todo o lado. E há a sensação que estamos junto dos que mais gostamos e dos que mais gostam de nós.

Os dias antes é que são para esquecer. Pessoas que se atropelam nos passeios, carros que apitam na estrada, lojas a abarrotar. E pior que tudo, as filas intermináveis no trânsito, seja para ver as luzes de Natal, seja para ver a árvore gigante do Terreiro do Paço (tradição que terminou em boa hora).

Mas seja na serra ou na cidade, o especial do Natal está cá dentro e como nós o encaramos.

domingo, dezembro 14

As crónicas do Metro

O jornal Metro tem uma crónica todos os dias, à laia de editorial. Num país que lê pouco, cujos indicadores de literacia parecem ser dos mais baixos da Europa e cuja circulação de jornais é baixíssima, é um sinal muito positivo ver quase toda a gente de jornal Metro na mão (ou Destak) de manhã nos transportes públicos. Claro que são pequenas notas numa publicação de meia dúzia de páginas mas não deixa de ser salutar.

Ora falava no início das crónicas na primeira página. do jornal Metro. Esta semana a Rita Camarneiro (que parece que tem uns projectos num canal de cabo mas que eu só conhecia do jornal) quase que pedia desculpa aos leitores por escrever uma crónica sem grande fio que guiasse a meada. Resolvi enviar-lhe uma mensagem a dizer que não se preocupasse. As crónicas da Rita são de longe as melhores do Metro. Sem pretensões, simples, sinceras e transparentes. 

Nos outros dias escreve a Ana Rita Clara (que já nem leio), a Jessica Athayde (que em vez de crónica devia chamar ao texto auto-publicidade), o Sérgio H. Coimbra (um português a viver em Washington que até gostava de ler mas que resolveu unir-se ao mais recente desporto nacional do tiro ao Sócrates num nível de linguagem do mais básico, sem perceber nada do princípio do Direito em que até prova em contrário todos são inocentes) e o Fernando Alvim (com um inquérito em que vale pela pessoa questionada e que por isso por vezes é bom, outras nem por isso).

Por isso Rita, apesar da concorrência ser fraca, não é por isso que a tua crónica de destaca. Fossem todos os dias como a 5ª feira.

segunda-feira, dezembro 8

iPads, iPhones e coisas simples

Todas as manhãs a menina chocolate e o menino chocolate estão sentados no banco vermelho do autocarro com vista para a igreja grande. De pé vão as mães da menina e do menino chocolate, mas se tiverem sorte vão sentadas em frente aos dois, também elas no banco vermelho. Vão sempre a rir e a conversar a menina e o menino chocolate e naquela hora matutina enchem de alegria e sorrisos as olheiras e as pestanas pesadas das pessoas que estão à volta. Velhinhos que acordam sempre cedo ou adolescentes contrariados a caminho da escola, ninguém fica indiferente. E a menina e o menino chocolate fazem a festa, apenas com gargalhadas e coisas simples, brincadeiras de crianças.

Minutos bem passados até chegar ao largo da estátua grande, em que as pessoas do autocarro percebem que mais vale rir em conjunto do que estar cada um preso e refém do seu ecrã, ignorantes em relação aos outros.

sexta-feira, dezembro 5

Voluntariado

Esta semana voltei a fazer voluntariado numa ONG aqui do bairro. Não custa nada dedicar umas horas em prol de outros que precisam muito mais. A win win situation.

Há empresas em alguns países do mundo que já incluem o voluntariado social no horário normal de trabalho. Em nome da ética e da moral. Da solidariedade. Do bom nome da empresa. Da realização pessoal do funcionário. Do melhor funcionamento do trabalho da empresa. São várias as razões para uma aposta e visão de futuro dos empresários no voluntariado social incluído no horário de trabalho.

Mas não. Por cá achou-se que menos feriados significavam maior produtividade do país. Sem estudos prévios. E pelos vistos sem estudos posteriores para avaliar se trabalhámos melhor porque trabalhámos mais horas. E como há eleições para o ano, vamos outra vez baralhar e tornar a dar.

Inconsequentemente, ao sabor da brisa.

terça-feira, dezembro 2

Cartão Amarelo

As pessoas que nos autocarros públicos fincam pé à saída, mesmo que a sua paragem seja só a última, são iguais àquelas que nas rotundas contornam tudo pela faixa mais afastada do centro ou como aqueles que no futebol de escola ficam juntinho à baliza à espera da bola (o chamado 'ficar à mama').

Como andar correctamente num autocarro público sem causar atropelamentos e empurrões entre os utentes também devia ser uma disciplina na escola.