Tigre da Tasmânia

«Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida» C. Lispector

sábado, novembro 29

O rapaz com a unha do dedo mindinho pintada de vermelho

Hoje no metro sentou-se à minha frente um rapaz com a unha do dedo mindinho pintada de vermelho. Pode parecer um pouco estranho mas passo grande parte do tempo que tenho estar num transporte público a observar as pessoas. Provavelmente já houve quem me tenha achado maluco ou um perturbante perseguidor. Mas faz parte de mim observar o que me rodeia.

Voltando ao rapaz com a unha do dedo mindinho pintada de vermelho, pensei logo em várias hipóteses para aquele efeito e para aquela cor.

Seria um actor ou figurante de cinema ou televisão cujo papel implicasse pintar as unhas? Mas então porque apenas uma e porque razão apenas aquela? E porquê de vermelho?

Depois pensei que poderia ter sido alvo de uma praxe como eu fui no primeiro ano da faculdade, em que os mais velhos do curso nos levaram até uma creche para que as crianças nos usassem como superfícies de pintura. Lembro-me que saí de lá com as unhas pintas de azul e verde fluorescentes e que estive assim durante uma semana, já que não havia acetona que valesse.

Por fim pensei que podia ser apenas uma manifestação de atitude, apenas para marcar uma posição ou para chamar a atenção, no sentido do 'eu faço o que me apetece e saio à rua como quiser'. Por mim tudo bem, sou tolerante e cada um deve apresentar-se da forma como se sentir mais confortável.

E perdido nos meus pensamentos o rapaz com a unha do dedo mindinho pintada de vermelho levantou-se e saiu no Saldanha, não por acaso a estação da Linha Amarela que faz ligação com a Linha Vermelha.

quinta-feira, novembro 27

Parabéns Cante

No dia do Cante vêm-me à memória dois episódios, protagonizados pelos meus dois Tios.

Há uns anos, no aniversário da minha Tia, fomos almoçar a um restaurante em Mourão, como diz a canção, mesmo ali à beira do Guadiana. O Alentejo é sempre bonito, deslumbrante na sua vastidão, e naquele dia de Inverno estava ainda mais resplandecente, juntando-se também ele à celebração.

No dito restaurante, verdadeiramente típico, com os melhores enchidos, os melhores queijos e o melhor pão, comi a melhor sopa de cação da minha vida. Excelente comida, excelente companhia, excelente dia, mas o melhor da refeição estava guardado para o fim. Um grupo de homens, com cajado e capote, entrou no restaurante e pôs-se a entoar várias modas do cante, numa demonstração espontânea cheia de alma alentejana. E quando foram informados que a minha Tia fazia anos fizeram uma roda e ofereceram uma canção de parabéns. Não falámos sobre isso mas tenho a certeza que esse foi o melhor presente daquele dia e daquele ano.

Mais recentemente, o meu Tio e um grupo de cantares alentejanos que integra tiveram uma actuação em Cascais, concelho onde se sabe que vivem muitos alentejanos. Para além das vozes afinadas e encorpadas do grupo, o concerto teve o privilégio de contar com a presença do Grupo Coral “Estrelas do Guadiana” e com Rancho Coral e Etnográfico de Vila Nova de São Bento, que de facto encheram o Teatro Gil Vicente, bem no centro da vila. Nunca é demais salientar e acentuar a força e o poder daquelas vozes, bem como os arrepios que provocam na alma. Mas as palavras não atingem um mísero décimo do que é sentir o que se sente quando se ouve o Cante.

Por isso mesmo, e simplesmente, parabéns Cante. Era merecido e finalmente o reconhecimento internacional chegou.

terça-feira, novembro 25

O que há.

Não há estados absolutos de felicidade, embora eu continue a achar que sim e em busca desse estado. Amigos dizem-me que estou sempre insatisfeito mas sinceramente qual é o problema de querermos sempre o melhor e coisas boas para nós e para quem amamos? Don't settle for less is my motto. Não nos podemos nem devemos resignar e aceitar tudo o nos dão porque, dizem-nos, é o possível.

domingo, novembro 23

A derrota de nós mesmos

São excertos de uma entrevista a Arianna Huffington, presidente do Huffington Post, a maior e mais conhecida plataforma de jornalismo criativo online do mundo, entrevista publicada no Expresso.

Vale a pena pensar e reflectir na ganância que por vezes roça o ridículo que é o mundo do trabalho nos nossos dias, que obriga a uma quase 'robotização' das pessoas (que aliás deixam de ser pessoas e se transformam em autómatos), pressionadas a estarem sempre ligadas. E quem opta por continuar a ser humano, uma pessoa normal que gosta de viver e de ter tempo para viver, fica de fora. Perdemos a noção do tempo e assistimos à vitória do imediatismo. Por outras palavras, à derrota de nós mesmos.

'Há qualquer coisa de errado quando a ideia de sucesso tem a ver com actividade incessante ou com esta coisa de estarmos sempre alerta, ligados aos vários aparelhos mediáticos'

'Cada vez se fala mais no tema do sono ou na necessidade do descanso, de nos sentirmos renovados. É isso mesmo. Vamos reconsiderar o valor da oração e da meditação. Vamos dar mais atenção ao que é tido por luxuoso, hippie ou só para ricos, a necessidade do descanso, da renovação'

'fica provado mais uma vez que todas as pessoas, incluindo aqueles que nos lideram, deveriam desligar a tomada eléctrica, reavaliar prioridades e procurar momentos de recarga anímica, física, espiritual. Tem de ser. Se não for assim vamos passar a vida a tomar decisões erradas e a remendar erros. Mais, a exaustão crónica afecta-nos terrivelmente a saúde'

'Vivemos todos numa espécie de ilusão colectiva, levados nessa ideia de que o sucesso e a productividade serão obtidas através do trabalho incessante debitado 24 horas por dia. Não é nada disso. Nesse regime, a única coisa que conseguimos é acabar com a criatividade'

' Em primeiro lugar, o trabalhador tem de ser valorizado todos os dias como ser humano, Não nos interessa apenas o trabalho, as ideias. Queremos que os trabalhadores estejam atentos à saúde. Não deixamos que, fora das horas de expediente, haja correspondência electrónica sobre temas de trabalho. É o Huff Post que funciona 24 horas por dia, sete dias por semana. Não são os trabalhadores que têm de estar a funcionar a cem à hora o tempo todo'

' o poeta Rumi: vive a vida como se tudo tivesse sido arranjado para te favorecer. Quando algo corre mal é importante saber que, momentos mais tarde, no mesmo percurso, a coisa vai fazer sentido. Vai ser possível perceber por que razão aquilo aconteceu. O sentido existe. Mas como disse Marco Aurélio, o imperador romano, há sempre uma bênção escondida por baixo de cada coisa terrível que nos acontece. Claro que, na altura, não nos é possível ver do que se trata'

domingo, novembro 9

Rádio

No outro dia fui acompanhar a gravação de voz para uma promoção para uma campanha de rádio e televisão. A voz de que falo, e penso que devo antes escrever com iniciais maiúsculas 'A Voz', era a de um antigo colega da rádio, o Aurélio Gomes.
Optei por ficar num ângulo que não me permitisse ver a cabina de gravação, de forma a ouvir apenas a voz. E instantaneamente, como que de olhos fechados, fui transportado para há uns anos. Viajei no tempo e regressei aos estúdios do Rádio Clube Português, com o Aurélio na sala de emissão e eu na régie, durante o programa 'Janela Aberta', que animava as tardes da estação.
Penso que foram os tempos mais gratificantes e felizes da minha vida profissional. Rádio, o meio por excelência da comunicação. Aurélio, uma das melhores vozes que já ouvi, E o 'Janela', um programa com total liberdade em que podíamos falar de quase tudo, com os assuntos mais diversos e os convidados mais díspares.
Mas o Aurélio não é apenas uma grande voz. Não é apenas uma excelente voz. É o chamado 'poço de cultura'. Sabe muitas coisas, conhece outras mais, e questiona sempre e sem problemas, sem rodeios e sempre de frente, o que por vezes pode chocar. E sendo a capa do programa por algum tempo, o programa nunca se resumiu a ser apenas ele. O Aurélio sempre quis incluir todos da equipa, puxar por eles (por nós), dar espaço, relevo e mérito a cada um.
Não gosto nem sou muito de fazer estes elogios públicos, mas aquela meia hora de gravação levou-me de volta àqueles tempos e pelos vistos as saudades falam mais alto.  

sexta-feira, novembro 7

Globo

Um dos objectos de infância que mais gosto e que me dá maior alegria rever é um globo iluminado. Permite-me em poucos segundos, através de um girar com os dedos, regressar aos sítios que já visitei, de Buenos Aires a Jerusalém, de Paris a Budapeste, dos Açores a Barcelona. Mas também me ajuda a sonhar com outros onde um dia hei-de ir, de Bogotá a Samoa, do Hawai ao Alaska, ou ainda da Patagónia a Moscovo, sem esquecer Moçambique, o Irão ou o Chile.

quarta-feira, novembro 5

Chips atrás do pescoço

Bem interessante o artigo da revista 'Visão' desta semana sobre o uso (descontrolado) do telemóvel. Parece que uma grande maioria não se consegue desligar e até fica mentalmente (e sentimentalmente) perturbado se não está permanentemente ligado. E até já há nomes técnicos para estas doenças modernas. Enfim.
Lembrei-me logo de algumas situações. Uma antiga colega que há vários anos já não consegue viver sem ligação ao mundo virtual. Aliás, começou a circular a piada entre nós sobre o facto de antes de um 'olá' ou 'bom dia' vir sempre um 'tem wifi?'
Neste artigo é também dito que nalguns países já é legalmente proibido importunar as pessoas fora dos horários de trabalho, quando me parece que o simples bom senso chegaria...
E voltando às memórias... uma antiga superiora que tinha por passatempo ligar-me em todas as folgas para perguntar se tinha feito tudo o que era suposto (mesmo perante relatórios escritos) e ainda outra que achava despropositado eu estar na praia durante as minhas férias (e sobretudo numa altura muito complicada a nível pessoal).
Felizmente ainda existem zonas sem rede e os sagrados botões 'off'. Mas em breve vamos ter todos chips atrás do pescoço, como nos 'Ficheiros Secretos', e aí sim vai ser uma grande chatice...

segunda-feira, novembro 3

Tudo como dantes no quartel de Abrantes

Jornalismo de novo. Ao pequeno-almoço gosto sempre de ler um jornal ou uma revista. Um livro não dá jeito, com a sua lombada sempre demasiado colada.
Quando estou por Alvaiázere invariavelmente pego nas revistas antigas que por cá estão, a maior das vezes a 'Grande Reportagem', antiga publicação dirigida por Miguel Sousa Tavares.
É curioso verificar que os artigos publicados ma altura, na década de '90, as bocas, as citações, os protagonistas, enfim, os temas e o Portugal que tínhamos são quase igualzinhos e o país que temos hoje parece decalcado de há vinte anos.
A mesma pequena política, os mesmos disparates ditos e feitos, os mesmos atentados ao ambiente e aos direitos humanos, o mesmo 'diz-que-disse' e 'agarra-me se não vou-me a eles'.
Duma coisa ninguém pode acusar Portugal, que é o de ser um país incoerente. Aliás, ao ver 'Os Maias', o filme, e aqui já com mais de cem anos de distância, chegamos à conclusão que nada mudou e que o dia-a-dia e o quotidiano da chamada vida pública está na mesma.
Eça a olhar para o século XIX, Sousa Tavares a olhar para o final do século XX ou uma vista de olhos pelos jornais, rádio ou televisão do século XXI, tudo como dantes no quartel de Abrantes.