Tigre da Tasmânia

«Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida» C. Lispector

domingo, janeiro 13

GdS

«Sinto-me espartilhada num tamanho 34, quando já sou 38», disseste-me no outro dia. Numa frase sintetizas a angústia dos últimos meses. O querer fazer mais, e saber que o posso, e não me deixarem. Prenderem-me quando já me tinham solto. É a mais cruel das lições, abrirem a porta da gaiola e depois fecharem com estrondo a janela das oportunidades. E expludo. Grito. Zango-me. Viro as costas. Encolho-me até desaparecer. E rebento.

sexta-feira, janeiro 11

Olhares

Gosto de olhar as caras das pessoas quando passo na rua. Perceber o que está por trás daqueles rostos, uns sorridentes, outros sisudos, alguns macambúzios, muitos deles neutros. Dou por mim no carro a olhar para os outro condutores quando paramos nos semáforos ou sentado num café a observar as caras que passam na rua através do vidro. Ainda no metro, apertado, ou por vezes no autocarro, este normalmente com os mesmos rostos das mesmas horas nos mesmos sítios. Curiosidade? Tentativa de perceber melhor os outros e a vida? Passatempo? Provavelmente procura de estórias e de vidas que não são contadas, fechadas com cadeados em pessoas que cada menos falam. Ou então uma recuperação do cinema mudo, em que os olhos e a expressão eram mais ricos do que as palavras banais que dominam os filmes de hoje.

Estou a olhar para ti.

sexta-feira, janeiro 4

A carência de Domingo

A carência de Domingo. No outro dia uma amiga – a Rainha da Sucata - falava-me dessa sensação tão usual de um dos dias que muitos querem evitar. É ao Domingo que começamos a pensar na semana de trabalho que chega, e na sempre complicada Segunda-feira, é ao Domingo que está tudo fechado, que as estradas de Sintra, Cascais e Sesimbra estão atulhadas, é ao Domingo que dedicamos tempo às coisas domésticas. E é ao Domingo que temos mais tempo para pensar, para olhar pela janela e meditar no vazio.
A carência de Domingo vem na ressaca da noite de Sábado. Muita festa, muita animação, dançar até doer os pés e o corpo, deitar muito tarde, quando os ponteiros do relógio normalmente marcam o despertar. E ressaca de uma noite em que não se conheceu ninguém, que não foi especial. Porque para muitos, ou talvez quase todos, o Sábado à noite, ou até mesmo a noite em si, é encarado como uma oportunidade para se encontrar o tal alguém que, mesmo que não se admita, se espera.
Diz-se que a meia-noite é a pior hora para os solteiros. É capaz. Mas parece-me que desaprendemos o estar só, o estar connosco, a sabedoria de criar os momentos divertidos só por nós mesmos, a inteligência de criar à nossa volta um halo de luz e de radiância que só atraia vibrações positivas e seja um bloco de aço para os pensamentos mais tristes e negativos.

terça-feira, janeiro 1

Entre lo dicho y lo hecho el camino es derecho

Aqui e ali o ano tem sido muito pintado de referências hispânicas. Uma semana de férias em Buenos Aires em que por várias me confundiram com um local, o fantástico «Labirinto do Fauno», candidato espanhol aos Oscares que vi duas vezes, a descoberta da mexicana Lila Downs, primeiro com a banda sonora de «Frida» e depois com o concerto no Allgarve, colaborações profissionais com Espanha, alguns livros em espanhol para solificar a compreensão, viagens de regresso planeadas mas ainda adiadas a Madrid e Barcelona… Enfim, a consciência de que ainda tenho sangue espanhol de vez em quando resolve impôr-se. Não sei até que ponto é que um dia não vou partir rumo à América do Sul ou aqui ao lado a Espanha para uma temporada. Nada de maniqueísmos de fuga a Portugal, o mau da fita, por oposição à Hispânia, o bom da fita. Não somos piores nem melhores, não somos rivais, não andamos em guerra nem em disputa.
Há que buscar novas realidades e contextos, reinventarmo-nos, misturar e baralhar (de novo e uma vez mais) os sinais de trânsito da vida. Porque podemos estar a afundarmo-nos num pântano, em que estar parado é simplesmente proibido, sem darmos por isso. E quando nos quisermos mexer os pés já ganharam raízes milenares.