Tigre da Tasmânia

«Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida» C. Lispector

sexta-feira, agosto 19

As minhas entrevistas

Inserido no meu trabalho com a Comunidade Bahá'í de Portugal tenho realizado uma série de entrevistas sobre diversos temas e sobre a visão dos Bahá'ís sobre diversos assuntos. Hoje publico a primeira conversa, já emitida no programa «A Fé dos Homens», na 2:.


A Vida depois da Morte sempre foi um tema de certo modo tabu. Todos estamos cientes de que um dia vamos morrer, que esta vida vai terminar. Uns tentam não pensar muito nisso, outros vivem quase obcecados com o tema. Mas, mal ou bem, todos temos curiosidade em saber se existe alguma coisa para além da morte, se existe alguma coisa do outro lado. A Religião Bahá’í tem uma visão muito própria sobre o tema, e é sobre essa visão que vamos falar. Para reflectir sobre o tema entrevistei Maria da Piedade Antunes, mais conhecida entre todos por Dadinha. A Dadinha tem um percurso de vida notável, tendo vivido em Luanda, Londres e Paris. É pintora desde sempre e nos seus trabalhos transmite sempre um misto de emoções que vão para além do transcendente. Tem um interesse particular por este tema da vida depois da morte e sobre ele tem-se debruçado.


Qual é a posição da Religião Bahá’í em relação à Vida depois da Morte?

A passagem deste mundo físico para o mundo não físico ocorre com a morte do corpo. Os Bahá’ís, como a grande maioria das religiões, acreditam que a morte do corpo é um processo semelhante ao nascimento. Durante nove meses, um bébé desenvolve-se num ambiente que lhe é, geralmente, agradável e confortável – hoje em dia sabe-se que dentro do útero materno ele já tem algumas percepções do mundo exterior, sendo reactivo, por exemplo, à música e aos sentimentos amorosos que os pais nutrem por ele, etc. Mas quando ocorre o parto, isso é um momento difícil para o bébé, porque deixa o seu sossegado mundo uterino através de convulsões variadas e dolorosas para entrar num ambiente que lhe é, nessa altura, doloroso (o primeiro insuflar de ar nos pulmões é doloroso!) e, no entanto, cá fora, toda a família estará naturalmente feliz porque um novo ser saiu do útero materno para a luz do dia!
Entre este acontecimento feliz e a morte física do corpo, embora aparentemente de sinais opostos, a semelhança é enorme, em boa verdade, quase total.
Dentro do útero, o bébé vai, progressivamente, desenvolvendo o seu corpo, todos os seus órgãos, aprende a respirar, a mover-se, a alimentar-se, preparando-se para o dia em que vai entrar no mundo físico, tornando-se um ser individual. Ele não tem consciência disso, mas dentro do útero materno está a desenvolver os meios que o apetrecharão à sua vida neste mundo. Depois, nasce e, sucessivamente, será criança, adolescente, adulto e velho, aproximando-se do final dos seus dias sobre a terra! Entretanto viveu, aprendeu com a vida, com os outros, amou, sofreu, desiludiu-se, voltou a amar, ganhou, perdeu, enfim, teve experiências variadas no mundo humano que fizeram dele ou um bom homem ou um indiferente. O Homem, de quem estamos a falar, ou seja, cada um de nós, se durante a sua passagem por esta terra não soube ver, ouvir e olhar para si e para os seus semelhantes, aperfeiçoar-se, limar as suas imperfeições, desenvolver as suas qualidades, no dia em que morre fisicamente, o seu espírito, naturalmente, carrega consigo todas as imperfeições que tinha em vida. O seu corpo será enterrado e em pó se transformará mas o seu espírito carente terá que fazer uma longa caminhada nos planos espirituais para poder atingir a percepção e o nível a que as religiões chamam, mais comumente – a presença de Deus.

A Religião Bahá’í, à semelhança da Filosofia, distingue corpo e espírito. Fale-me um pouco dessa distinção.

É o espírito que dá vida ao corpo físico, o espírito é o cavaleiro, o corpo é o cavalo.

Devemos temer a morte? Pergunto-lhe isto porque nas Escrituras Sagradas Bahá’ís há uma citação que diz que a morte é a mensageira de júbilo.

Aquele que durante a sua vida física cuidou igualmente do seu corpo físico e do seu corpo espiritual, poder-se-á sentir triste por deixar o contacto físico com os que ama, mas não temerá a morte porque entende que a morte é um estado ilusório – a morte não existe – pois continuará a viver espiritualmente. Realmente Bahá’u’llah diz «Fiz da morte uma mensageira de alegria para ti, porque te afliges?». Apesar de nós sabermos isso, é natural que as ligações aos afectos aos sentimentos e se calhar às coisas materiais nos impeçam de entender a profundidade desta frase. Certamente a evolução que iniciámos neste mundo terá que continuar pelos mundos espirituais, do tempo sem tempo, na caminhada para a compreensão da unidade divina, até que nos possamos fundir no Todo.

Como nos podemos ou devemos preparar para a morte e para a próxima vida, pessoalmente e perante os outros?

O comportamento social e espiritualmente correcto, amando-se e amando os outros, a compreensão de que todos somos um e que o bem de todos é o nosso bem; fazer isso sem espera de retorno, desinteressadamente, são sinais de desenvolvimento espiritual. Meditar, orar, estabelecer a ligação com a luz, porque a luz existe sempre mas cabe-nos aprender a accionar o interruptor, são para os Bahá’ís linhas mestras de aperfeiçoamento no caminho de Deus. Se agirmos desta forma – fórmula citada por todos os Manifestantes de Deus - certamente estaremos a agir de acordo com o Plano de Deus para a sua criação. O Céu e o Inferno convivem connosco todos os dias e precisamos fazer opções diariamente, porque os nossos céus e os nossos infernos começam e existem por aqui.

Ao falar no outro dia sobre a morte com uma senhora Bahá’í, ela disse-me que o corpo, depois de morto, não passa de «um invólucro». O que acontece então a este corpo sem vida?

Este corpo decompor-se-á e integrará o circuito normal da vida física – na vida, nada se cria e nada se perde, tudo se transforma, não é? Portanto o tal «invólucro» vai seguir o seu destino irremediavelmente certo!

Os Bahá’ís têm uma lei que diz que o corpo deve ser sepultado a não mais de uma hora de caminho do sítio onde o ser morreu. Porquê?

Exactamente porque a religião Bahá’í não valoriza a «casca do ovo», valoriza, sim a ave que alça o voo para os céus! Assim, a terra onde se dá o falecimento, é boa terra para receber de volta aquele que sendo pó, em pó se transformará e por aí deverá ficar enterrado. É do espírito que deveremos cuidar com as nossas preces e os nossos bons pensamentos, provendo-lhe alimento espiritual, por forma a facilitar a sua caminhada pela eternidade, até atingir o mais alto plano, no Reino de Deus.

A Religião Bahá’í impede também a cremação do corpo morto. Qual é a razão?

Essa pergunta tem a ver com a anterior - Tu és pó e em pó te transformarás daí que os elementos que compõem o corpo devam voltar à Mãe Terra.

O que poderemos encontrar do "outro lado", depois da morte física?

Encontraremos, segundo os ensinamentos Bahá’ís e segundo o nosso grau de desenvolvimento espiritual, vários estágios, planos ou vales de aprendizagem e aquisição de conhecimentos no caminho da verdade para atingirmos a proximidade de deus. Poeticamente, Bahá’u’llah chama a estes vales da nossa escalada o Vale da Busca, o Vale do Amor, o Vale do Conhecimento, o Vale da Unidade, o Vale do Contentamento, o Vale da Admiração, o Vale da Verdadeira Pobreza e da Inexistência Absoluta.

6 Comentários:

Às 3:35 da manhã , Blogger Héliocoptero disse...

Deveras interessante e esclarecedor. Obrigado!

 
Às 10:57 da manhã , Blogger Maria Lagos disse...

Ó Pedro, espero que sejas muito lido e que continues a tua caminhada para esclarecer.

 
Às 10:57 da manhã , Blogger Maria Lagos disse...

Ah! Vou linkarte nos meus blogs.

 
Às 9:54 da tarde , Blogger Dad disse...

Com que então tive a honra de ser a primeira entrevistada?

Muito obrigada pela distinção, Pedro!

 
Às 5:47 da manhã , Blogger pedro disse...

Foi uma das entrevistas que mais gostei Dadinha. Mas mais se seguem.

 
Às 11:00 da manhã , Anonymous Anónimo disse...

Gostei da entrevista.
Beijinhos!

 

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