Tigre da Tasmânia

«Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida» C. Lispector

domingo, outubro 26

'O' justiceiro

'Tantas coisas deveriam ser repensadas nas notícias! Por exemplo, a maldade goza actualmente de considerável prestígio no mundo das notícias. Um entrevistador que faz um político parecer estúpido e mau está no caminho para se tornar um herói. Começou com os políticos. E agora espalhou-se por quase todos os alvos possíveis. Temos um prazer secreto quando alguns filmes são desfeitos por um crítico. Recebemos de bom grado denúncias sobre estrelas do desporto. Há público a postos para o que faça o primeiro-ministro ou o Presidente parecer tonto; aprovamos quando os gerentes de bancos são reduzidos a idiotas ou as celebridades a cabeças de vento mimadas, envelhecidas e batoteiras. Jornalistas de todo o mundo fizeram carreira sendo terríveis para todos os que lhes apareceram no caminho. Quando nos divertimos com 'notícias más' não pensamos que estamos a ser cruéis sem sentido. O prestígio da maldade baseia-se em assunções confusas, que vão contra as melhores ideias do jornalismo. Sim, é tarefa do jornalismo ser céptico, explorar além da história oficial e fazer perguntas para revelar a verdade. Mas a maldade não tem nada a ver com esta espécie de cepticismo forense aplicado a situações complexas.'

Excerto de uma entrevista ao filósofo Alain de Botton na Revista do Expresso da semana passada, a propósito do seu mais recente livro 'As Notícias: um manual de utilização'

Não estando a exercer a profissão de momento (já lá vamos), a verdade é que Comunicação e Jornalismo foram algumas das matérias que estudei mais aprofundadamente na faculdade e voltar a elas é sempre uma actualização de conhecimentos e desenvolvimento de ideias.

Não estou a trabalhar como jornalista há dez meses (pelo menos na concepção pura e dura daquele que escreve, relata ou transmite diariamente em jornais, rádio ou televisão) e nem sei se algum dia vou voltar. Mas também é verdade que todos nós somos jornalistas, todos nós somos repórteres, todos nós temos uma visão do mundo, uma forma de ver as coisas, que acabamos por relatar, para nós mesmos, à família ou aos amigos. Outros há que têm o privilégio de mostrar a sua visão numa base mais alargada. São esses os jornalistas profissionais. E já agora num pequeno aparte, todos têm opinião e ninguém é um mero espelho, sem ideologia e sem sentimentos ou sensações. Que naturalmente trespassam para o outro, sejam em linguagem verbal ou não verbal.

Este excerto de uma das resposta do Alain de Botton fez-me recordar algumas situações pelas quais passei nas redacções onde tive o privilégio de trabalhar. Esta sensação de ser 'O' justiceiro, aquele que sabe tudo, aquele que está ali para mostrar como os outros são incompetentes e só fazem asneiras, enfim, o papel sacrossanto de julgador e juiz, esta é uma descrição que infelizmente assenta que nem uma luva em muitos jornalistas. A máxima parece ser obter sangue, suor e, se possível, lágrimas. Quanto pior, melhor. Trata-se de uma sanha e de uma quase perseguição, que justamente me levou muitas vezes a sentir-me peixe fora d'água.

Felizmente há jornalistas que acreditam que a profissão não é como ser o Deus mau de Saramago (estou a lembrar-me do 'Caim'), e que ser um bom jornalista não passa por ridicularizar o outro e apenas andar atrás de lados podres ou sombrios.

2 Comentários:

Às 10:31 da tarde , Anonymous Anónimo disse...

Descobri o seu blog ao acaso, pela coincidência de adorar animais selvagens. Eis que numa busca me deparo com o seu blog. Que surpresa! Não consegui ler tudo o que já escreveu. Mas do que li gostei bastante. Este texto em especial. Muito interessante! Não poderia estar mais de acordo com o seu ponto de vista. Boa continuação, vou continuar a acompanhar.

 
Às 7:53 da tarde , Blogger pedro disse...

Obrigado pela visita e espero continuar a recebê-lo por cá.

 

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