Tigre da Tasmânia

«Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida» C. Lispector

terça-feira, setembro 6

As minhas entrevistas - III

Durante a Conferência Anual, a que os Bahá’ís chamam Escola de Verão, tive oportunidade de entrevistar o Dr. Feizi Masrour Milani. Brasileiro, Feizi é médico e terapeuta de adolescentes, para além de fundador e director da INPAZ (Instituto Nacional para a Educação para a Paz e Direitos Humanos). Para além de trabalhos publicados, nomeadamente o livro «Tá Combinado!», uma reflexão sobre a pedagogia no interior das salas de aulas, Milani foi distinguido em 1999 com o Prémio Cidadania Mundial no Brasil. Muito directo e concreto nas suas sessões ao longo da semana, nesta entrevista vamos poder conhecer resumidamente algumas das ideias principais apresentadas nesta conferência.

Qual é a natureza do curso que veio apresentar nesta Conferência Bahá’í?

Esse é um programa que foi desenvolvido por nós no Brasil sobre a liderança e tem sido oferecido em escolas, em universidades, em empresas particulares, em organizações não-governamentais, porque em toda a parte se sente a necessidade de desenvolver uma nova compreensão, um novo paradigma de liderança que permita a construção de mudanças e de transformações em todos os níveis da sociedade.

Queria pegar nessa palavra, «paradigma», que tem sido muito repetida ao longo das suas sessões. Qual é a dimensão que lhe é dada neste curso que veio apresentar?

Os paradigmas são maneiras de enxergar o mundo. Cada paradigma é um conjunto de crenças, de valores, de expectativas, de generalizações e explicações que damos à nossa vida, ao nosso ser, para explicar como as coisas funcionam. Os paradigmas na verdade ajudam a estruturar a mente do ser humano para ele ser capaz de lidar com toda a complexidade de factos e de eventos ao seu redor. Só que no final das contas, quando não temos consciência dos nossos próprios paradigmas, eles acabam por nos aprisionar a determinadas formas de ver as coisas, a determinadas formas de intepretar os factos e isso então inibe as capacidades humanas e faz-nos repetir determinados padrões de comportamento.
E se queremos realmente promover a transformação dentro de qualquer organização, dentro de qualquer sociedade, é preciso questionar e rever os paradigmas que temos a respeito de nós mesmos, da natureza humana, da natureza da sociedade, enfim, de todos os aspectos da vida.

Falando também de paradigmas, neste caso mais de modelos, sabemos que na sociedade brasileira e na nossa, portuguesa, existe um modelo comportamental paternalista, em que tudo está mais ou menos preparado, em que não existe grande hipótese de sair do caminho traçado. Quais os obstáculos que podem advir deste modelo?

Eu percebo que tanto nas famílias como nas instituições educacionais, bem como na sociedade em geral, esse paradigma paternalista acaba inibindo as potencialidades, principalmente das crianças e dos jovens, na medida em que eles não recebem nenhum desafio, eles não têm oportunidade de experimentar, de testar as suas habilidades, de tentar e errar, já que o aprendizado só ocorre através do erro, o erro faz parte do processo de aprendizagem. Os nossos jovens, em muitos países, sentem esse vazio, de não terem desafios, de não terem algo para conquistar, algo para contribuir para a sociedade. Então, creio que precisamos de compreender que as crianças e os jovens têm capacidades, têm potencialidades, precisam de ter espaços de participação e receber desafios e cada vez mais terem responsabilidades crescentes, não como imposição, mas como uma oportunidade de darem a sua contriubuição, seja na família, seja na comunidade, seja na escola, seja na sociedade como um todo.

No contexto das escolas e das universidades que pode ser feito para promover uma maior participação dos jovens nas actividades e para fugir um pouco a este modelo paternalista que estávamos a falar?

Exacto. Nas escolas e nas universidades eu acho que uma das estratégias mais efectivas de promover a participação, o compromisso, a responsabilidade dos jovens, é a construcção de pactos de convivência. Ou seja, ao invés das instituições educacionais tentarem impor uma série de regras sobre os estudantes, sendo que muitas vezes os estudantes não compreendem o porquê dessas regras e qual o benefício delas, e por isso acabam não cooperando e não desenvolvendo o seu próprio sentido de disciplina interior, então quando os educadores envolvem os estudantes num processo colectivo de discussão, de reflexão e de pactuação de normas de convivência, de direitos e deveres, todo esse processo se modifica, porque os estudantes passam a ser co-autores e co-responsáveis por um ambiente na sala de aula que seja de cooperação, de segurança, de participação, de respeito às diferenças, de criatividade. Portanto, esse é um grande salto que pode ser dado na Educação, através de uma estratégia muito simples que é a criação desses pactos de convivência, ou combinados, como se chama no Brasil, ou contratos pedagógicos. O importante é que esses contratos sejam resultado do trabalho colectivo dos educandos.

O tema principal do seu curso é a liderança. Que tipos de liderança existem?

Tradicionalmente existem quatro tipos de liderança, que seriam o líder autoritário, o líder paternalista, o líder sabe-tudo e o líder manipulador. Estes têm sido ao longo da História os principais modelos de liderança e que terminam influenciando os paradigmas, os modelos mentais de liderança que todos nós temos. Então, se formos muito honestos connosco mesmos e fizermos uma auto-avaliação bem franca para percebermos, cada um de nós perceberá que em certas áreas da nossa vida há algo de autoritário, de paternalista, de sabe-tudo e de manipulador. Esses modelos, cada um tem os seus pontos positivos, mas no final das contas todos eles buscam concentrar o poder nas mãos do líder, de diferentes formas e com diferentes estratégias. É o que nós precisamos hoje para poder realizar as mudanças que a sociedade necessita, as transformações que qualquer organização e o mundo como um todo necessita, não nos poderá ser propiciado por essas formas tradicionais de liderança.

Para além dessas quatro formas tradicionais de líderes que já falámos, o líder autoritário, o líder paternalista, o líder sabe-tudo e o líder manipulador, temos uma quinta figura, que é o líder democrático…

Isso. A liderança democrática fou um grande avanço em relação a esses quatro modelos tradicionais na medida em que o líder democrático precisa de ser representativo e precisa de ser participativo no seu processo de tomada de decisões. Então, com certeza que foi um avanço. Só que quando perguntamos às pessoas quem foi alguém que exerceu uma profunda influência, uma influência positiva e transformadora na sua vida, as qualidades, as características que as pessoas indicam nesse líder que conseguiu promover alguma mudança são qualidades e características da dimensão espiritual do ser humano. Então, invariavelmente, dizem que era um líder amoroso, bondoso, era honesto, ético, era uma pessoa dedicada a um ideal, disponível para ajudar o próximo. Então nós vemos que para um líder ter esse poder transformador ele precisa de ter qualidades que não estão necessariamente incluídas na liderança democrática. Em outras palavras, nós precisamos de um novo modelo de liderança, que incorpore claramente e explicitamente a dimensão espiritual do processo de liderança.

A Comunidade Bahá’í tem o seu modelo de liderança, liderança moral, é assim chamado. É este um modelo adequado às necessidades do mundo dos nossos dias?

Exacto. Diversos Bahá’ís, pesquisadores da Comunidade Bahá’í, em diversas partes do mundo, têm chegado a essa conclusão e apresentado essa visão de um novo paradigma de liderança, que é a liderança moral e ética. Essa liderança tem como propósito o serviço, servir a colectividade, buscar sempre os melhores interesses da Humanidade como um todo. É um líder que busca cumprir com a regra áurea de todas as religiões, inclusivé da Fé Bahá’í, que diz «faça ao outro o que gostaria que fosse feito a você, e não faça ao outro o que você não gostaria que fosse feito a você». Essa é a regra áurea do Cristianismo, do Judaísmo, do Islamismo, do Budismo, da Fé Bahá’í, de todas as religiões, e isso em si já é a essência de um líder ético. Além disso, a liderança ética e moral tem como propósito promover a transformação, a transformação de si mesmo e a transformação social. Então o líder precisa de ter esse compromisso de ajudar a Humanidade a encontrar um grau cada vez mais avançado de Unidade, de Unidade na Diversidade, respeito pelas diferenças, acolhimento e valorização dos vários povos, grupos étnicos e culturas que existem no mundo. Portanto, a liderança moral e ética é uma visão de liderança que incorpora as dimensões do ser humano, dimensão espiritual, emocional, psicológica e física.

5 Comentários:

Às 11:29 da tarde , Anonymous Anónimo disse...

Boriiiiing....

 
Às 10:44 da manhã , Blogger Dad disse...

Não imagino quem é o anónimo que achou boriiiiing...eu achei muito interessante porque há mesmo que mudar os "paradigmas" se queremos alterar este nosso mundo e é pela infância e pela adolescência que tudo tem que começar. Quantos professores passam pelas cadeiras dos psicólogos porque não aguentam o stress da relação comos alunos e quantos alunos não têm aproveitamento porque acham desinteressante a relação humana na escola e a forma como o sistema de ensino se desenvolve? E quantos pais se preocupam sem encontrar as medidas correctas para uma relaºão saudável com os seus filhos?
Eu ouvi o Feizi e apesar de considerar que ninguém tem o remédio total de nada, na mão, penso que o contributo dele para a compreensão do que se passa e a proposta de pacto que o TÁ COMBINADO propõe, aponta para caminhos de sã convivência, tão importantes à vida em casa e na escola.
Parabéns Pedro e continua com vigor a escrever, tá?

 
Às 10:07 da tarde , Blogger Marco Oliveira disse...

Podias pôr as questões a bold... ficava menos cansativo.
;-)

 
Às 3:57 da manhã , Blogger pedro disse...

Já está Marco. Obrigado pela sugestão

 
Às 12:16 da tarde , Anonymous Anónimo disse...

Quero agradecer o privilégio de ter as minhas palavras registradas e divulgadas neste blog.

Minha estada em Portugal foi uma experiência muito especial e preciosa, pelos encontros, diálogos e trocas que ocorreram. Voltei com o coração recarregado de energias positivas e a esperança de poder regressar, o mais breve possível.

Também foi interessante constatar que, não importa o país ou a região do mundo... em toda parte, a humanidade se defronta com as mesmas questões e desafios. E só através do diálogo, da consulta, do aprender a ouvir é que poderemos avançar.

Aos amigos e amigas de Portugal, o meu abraço repleto de afeto e saudades!

 

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