Tigre da Tasmânia

«Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida» C. Lispector

quarta-feira, abril 26

Os pontos finais que eu decido

Num dos últimos filmes que vi uma das personagens encontrava-se na sala com o pai, velho e doente. A determinada altura levanta-se e aproxima o ouvido do coração do pai. Sentiu que ele morreu e, por medo, por fraqueza ou por pânico quis verificar se o seu coração ainda batia e os seus pulmões ainda produziam oxigénio. Mas não. A vida tinha expirado.

Acontece-me muitas vezes, quando alguém está a dormir ao meu lado. Tenho medo que morram ao meu lado. Tenho medo do fim físico dos outros. Sinto-me responsável se isso acontecer. Eu estava lá e não pude fazer nada. Afinal não gosto de pontos finais. Só daqueles que eu decido.

Pontos finais

Dizem que sou muito radical. Que decido muito rapidamente, ajo muito rapidamente, que não perco tempo e que não gosto de ver pontas soltas. Que gosto de fechar as portas todas, que não gosto de cinzentos. No fundo no fundo gosto de pontos finais nas histórias.

Scary post

Em resposta à Lu (oquetequero.blogspot.com).

Medos… Depois das manias os medos.

Serão cinco, como as anteriores.

Tenho medo de ficar sozinho. Eu gosto muito de estar só, mas quando sou eu a escolher que quero ir à praia sozinho, que quero andar sozinho, que quero ir ao cinema sozinho, que quero passear de carro sozinho. Mas tenho medo que um dia isso aconteça porque de facto estou só, e para sempre o vou permanecer.

Tenho medo de ficar sem voz, de não poder falar. Detesto os sonhos em que acordamos sem voz, em que queremos gritar, falar, mas tudo o que conseguimos é aumentar a sensação de aperto na garganta e estreitar o nó que trava o que pretendemos soltar.

Tenho medo de não ter medo. Receio que por vezes confie demasiado em mim, não meça os riscos e arrisque em demasia. Tenho de ter medo para saber como agir melhor. O medo faz-me sentir mais humano.

Tenho medo da injustiça. De ser julgado quando nem todas as cartas estão em cima da mesa. De ser julgado por mal-entendidos, por ditos que não foram ditos, por circunstâncias do passado que podem reflectir-se no futuro. E tenho sobretudo medo que não me deixem explicar.

Tenho medo, muito medo, do Bush. Felizmente já faltou mais para o senhor se retirar. Mas a seguir é capaz de vir pior… Condoleezza Rice ou Colin Powell…

terça-feira, abril 18

O que eu posso fazer

Os Bahá'ís são a maior minoria religiosa do Irão, e apenas mais uma de todas as minorias que são perseguidas naquele país. O site www.denial.co.za dá-nos a hipótese de podermos fazer algo. Leia e clique. Não custa nada.

segunda-feira, abril 17

Lixo

Numa das ruas mais movimentadas de Viana o almeida (será que no Norte também chamam «almeida» ao senhor do lixo?) recolhia o lixo espalhado pelo chão (apesar do lema «Viana, cidade saudável»). Naqueles restos, que já ninguém quer, residem vestígios de muitas vidas e situações. O cigarro fumado à pressa pelo namorado que esperava impacientemente a namorada que não veio, o gelado caído ao chão e sonoramente chorado pela criança desajeitada, o panfleto, inútil, deitado ao chão por todos os que passavam, o extracto do Multibanco, cada vez mais magro com os dias que passam, ou o plástico da pastilha elástica daquele grupo de miúdos que vão lá ao fundo.

Despojos do dia.

Crash Boom Bang

O cinema, o verdadeiro, está desenhado para mexer connosco. É seu objectivo entrar-nos pela alma, abanar-nos as estruturas, fazer-nos pensar e colocar-nos em causa.

Tudo isso acontece com Crash, que a Academia de Hollywood resolveu considerar o melhor filme do ano (pena que tenha concorrido com Brokeback Mountain, já que Crash teria sido um excelente vencedor... do ano passado, em que a pobreza de filmes foi aberrante).

Aqui fica a nota, com muito atraso.

I walk the line

I keep a close watch on this heart of mine
I keep my eyes wide open all the time
I keep the ends out for the tie that binds
Because you're mine, I walk the line

I find it very, very easy to be true
I find myself alone when each day is through
Yes, I'll admit that I'm a fool for you
Because you're mine, I walk the line

As sure as night is dark and day is light
I keep you on my mind both day and night
And happiness I've known proves that it's right
Because you're mine, I walk the line

You've got a way to keep me on your side
You give me cause for love that I can't hide
For you I know I'd even try to turn the tide
Because you're mine, I walk the line

I keep a close watch on this heart of mine
I keep my eyes wide open all the time
I keep the ends out for the tie that binds
Because you're mine, I walk the line

Johnny Cash

domingo, abril 9

África nossa

Ao ver as reportagens sobre a visita do primeiro-ministro José Sócrates a Angola o que mais me ficou gravado na memória não foram os investimentos, nem os protocolos, nem os empréstimos nem os incentivos.

Foram os olhos das crianças nos matos sem fim do interior de Angola. Olhos que ainda possuem uma chama acesa, com esperança num futuro que tem tudo para ser brilhante, mas que os homens têm insistido em escurecer. A alegria dos seus cantares, a energia das suas danças e a inocência das suas palavras têm de ser motivo de crença. O futuro pode passar por África.

Diabão vs Anjinho

Será que, como num videoclip da moda que anda a invadir a MTV, todos temos um diabão vermelho e um anjinho branco à nossa esquerda e à nossa direita a fazer o jogo do empurra?

sábado, abril 8

Frescos de uma tarde

No outro dia estiva eu sentado no muro da estação de metro da Baixa-Chiado, em frente ao café Brasilseira, como observador social da realidade específica de um dos corações de Lisboa. Lá estavam o grupo de freaks, um deles tocando na flauta peças pop da música clássica de Mozart e Beethoven a troco de umas moedas, mais os seus incontáveis cães. Ainda trocámos algumas palavras e sorrisos. Pedem-me lume, que não tenho. São simpáticos estes freaks, que vivem longe de todos na sua galáxia surreal.

Passavam igualmente velhotas, muitas, com os seus mil-e-um sacos. Aos 70 e 80 anos é incrível como ainda mantêm um sorriso na cara que a vida não conseguiu abater. Cumprimentam os empregados dos cafés, os lojistas e conversam animadamente com os freaks «A menina costuma estar lá mais em baixo não é? E que faz aqui sozinha?» «Estou à espera do meu amigo (é curioso como não diz 'o meu namorado') que está ali a tocar flauta».

Para contrariar o bom espírito do Chiado deparo-me com um enxame de brasileiros a fazerem inquéritos de ruas: «A sinhóra bébi cáfé?» «Côstumá medjir á suá tênsão artérial?». E os velhotes normalmente respondem pacientemente, talvez por não terem outra companhia e aquela ser a primeira conversa do dia...

O que conta é que o Chiado está de novo vivo, pulsa e vibra com gente diferente, e já não é o corpo morto que o grande incêndio quase matou.